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Estamos publicando o último artigo do ecólogo Soffiati sobre as florestas, pensando na proteção delas para não destruir o habitat dos milhares de virus que vivem seja nos animais seja nas próprias árvores. Esperamos que continue sua colaboração sempre  pertinente aos tempos em que vivemos. Agradecemos por sua contribição séria e sempre bem fundada. LBoff

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                                         A humanidade e as florestas (final)

Arthur Soffiati

Desde os anos de 1970, está havendo um descompasso entre a importância da floresta amazônica em pé e os interesses econômicos e políticos. Um documentário intitulado “No país da Amazônia”, dirigido por Joaquim Gonçalves de Araujo e datado de 1922, mostra uma floresta rica a ser conquistada, desbravada, explorada, derrubada. Converter a floresta derrubada em dinheiro significava progresso. Muitas árvores cortadas, muitos animais mortos e uma postura triunfalista são mostrados no documentário. Os índios são mostrados como animais ou quase. Tudo indica que o documentário foi produzido por interesses econômicos, dados os recursos caros empregados na filmagem.

Outras aventuras dissonantes com a floresta foram praticadas na Amazônia, como a ferrovia Madeira-Mamoré e a Fordlândia. Elas foram recebidas com aplauso por representarem o desenvolvimento do Brasil. A partir da Conferência de Estocolmo, em 1972, a atitude em relação à grande floresta nos meios científicos e entre os ambientalistas mudou. Estudos progressivos foram mostrando a importância do grande bioma não só para o Brasil, mas para o cone sul e o mundo. Ela não é o pulmão da Terra, mas desempenha fundamental papel na troca de gases. Libera oxigênio, que não abastece o planeta, mas absorve gás carbônico que, junto com outros gases, agravam os efeito-estufa e aceleram as mudanças climáticas. A Terra sem a Amazônia lançaria na atmosfera várias giga toneladas de CO2.

Mais ainda, a floresta em pé recebe as chuvas que provêm do oceano Atlântico e produz nuvens por evapotranspiração. Essas nuvens são empurradas para oeste, esbarram nos Andes e se dirigem para o sul, transformando-se em chuva na Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina, Uruguai e nas regiões sudeste e sul do Brasil. Quem segue com o dedo o paralelo 24° S, encontrará os desertos de Atacama, de Kalahari e da Austrália. No Brasil, encontrará uma área outrora coberta pela exuberante Mata Atlântica. Mata Atlântica depende fundamentalmente da Amazônia. Sem a Amazônia, Sudeste e Sul do Brasil seriam um deserto como o de Atacama.

Se Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia zelassem por sua oferta de água, reclamariam formalmente ao governo brasileiro por amaçar a umidade de seus países. Estudos de cientistas vêm demonstrando que a floresta também abriga animais hospedeiros de vírus, bactérias e protozoários sem serem afetados por eles. Com a captura desses animais e com o desmatamento, microrganismos patogênicos podem entrar na sociedade e deflagrar epidemias com potencial pandêmico. A hipótese mais consistente para a difusão do novo corona vírus pelo mundo é o habito oriental de consumir animais silvestres, como morcegos e pangolins, obtidos nas florestas. As oito espécies de pangolim são as mais ameaçadas de extinção do mundo. Sabe-se já, com segurança, que vírus africanos foram trazidos das florestas para a sociedade.

Proteger a Amazônia, até recentemente, era uma preocupação de cientistas e ambientalistas. Com todas as advertências de que a grande floresta em pé representava uma garantia para a economia, o agronegócio, a mineração e a exploração de madeira continuaram aceleradas. Cientistas demonstraram que o desmatamento na Amazônia acima de 20% afetaria os outros 80% e a transformaria numa savana. As previsões já começaram a se confirmar. A Amazônia não está mais produzindo o antigo volume de água que abastece o mundo peri-amazônico. Nem mesmo está produzindo mais a água necessária à sua existência. Cerrado e Pantanal estão carentes de umidade. Nos períodos de estiagem, a secura está se acentuando e agravando os incêndios, como está acontecendo em 2020 no Pantanal, o maior incêndio registrado. Sudeste e Sul do Brasil estão com o abastecimento de água comprometido.

Depois de se beneficiar excessivamente com o desmatamento da Amazônia, sobretudo com a abertura da Transamazônica pela ditadura militar, o agronegócio anuncia oficialmente que defende a grande floresta desde sua origem. A fala do atual ministro do ambiente, na fatídica reunião ministerial de 22 de abril, mostra que ele atendia a um pedido da ministra da agricultura para legitimar as áreas desmatadas do que restou da Mata Atlântica. A bancada do boi no Congresso Nacional continua com seu tom agressivo em relação à proteção florestal. Os fundos de pensão e finanças internacionais pressionam o governo brasileiro – o pior de todos os tempos em termos de proteção ambiental e social – a assumir uma atitude de proteção da Amazônia. Tais fundos parecem estar atendendo a seus clientes. E o governo esperneia. De forma retrógada, agita um conceito de soberania nacional anacrônico. Hoje, a soberania do Brasil deve ser usada para proteger a Amazônia para os brasileiros e para o mundo, não para interesses particularistas mesquinhos. Propala que os países que condenam o Brasil derrubaram suas florestas. De fato, derrubaram quando esta prática ainda era aceita em nome do progresso. Agora, eles reflorestam. Sustenta que o fogo na Amazônia é uma mentira e que existe uma campanha internacional de difamação para internacionalizar a Amazônia. Por incrível que pareça é a mesma economia que predou a Amazônia que agora prega oficialmente sua defesa.

O atual governo não saiu da década de 1930. Não quer se atualizar. Não conseguiu e nem conseguirá, com sua postura anacrônica, militarista e assustada com fantasmas inexistentes.