Dom Marcelo Barros
Desde que a justiça liberou visitas religiosas, eu Dom Marcelo Barros, beneditino, fui o segundo a ter a graça de visitar o presidente Lula em sua prisão. (Quem abriu a fila foi Leonardo Boff na segunda-feira passada).
Eram exatamente 16 horas quando cheguei na dependência da Polícia Federal, onde o presidente está aprisionado. Encontrei-o sentado na mesa, devorando livros, entre os quais vários de espiritualidade, levados por Leonardo. Cumprimentou-me. Entreguei as muitas cartas e mensagens que levei, algumas com fotografias. (Mensagem do Seminário do Fé e Política, de um núcleo do Congresso do Povo na periferia do Recife, da ASA (Articulação do Semi-árido de Pernambuco) e de muitos amigos e amigas que mandaram mensagens. Ele olhou uma a uma com atenção e curiosidade. E depois concluiu:
– De saúde, estou bem, sereno e firme no que é meu projeto de vida que é servir ao povo brasileiro como atualmente tenho consciência de que eu posso e devo. Você veio me trazer um apoio espiritual. E o que eu preciso é como lidar cada dia com uma indignação imensa contra os bandidos responsáveis por essa armação política da qual sou vítima, ao mesmo tempo sem dar lugar ao ódio.
Respondi que, nos tempos do Nazismo, Etty Hillesum, jovem judia, condenada à morte, esperava a hora da execução em um campo de concentração. E, naquela situação, ela escreveu em seu diário: “Eles podem roubar tudo de nós, menos nossa humanidade. Nunca poderemos permitir que eles façam de nós cópias de si mesmos, prisioneiros do ódio e da intolerância”.
Vi que ele me escutava com atenção e acolhida. E ele começou a me contar a história de sua infância. Contou como, depois de se separar do marido, dona Lindu saiu do sertão de Pernambuco em um pau de arara com todos os filhos, dos quais ele (Lula) com cinco anos e uma menina com dois. Lembrou que quando era menino, por um tempo, ajudava o tio em uma venda. E queria provar um chiclete americano que tinha aparecido naqueles anos. Assim como na feira, queria experimentar uma maçã argentina que nunca havia provado. No entanto, nunca provou nem uma coisa nem outra para não envergonhar a mãe. E aí ele prosseguia com lágrimas nos olhos: Agora esses moleques vêm me chamar de ladrão. Eu passei oito anos na presidência. Nunca me permiti ir com Marisa a um restaurante de luxo, nunca fiz visitas de diplomacia na casa de ninguém… Fiquei ali trabalhando sem parar quase noite e dia… E agora, os caras me tratam dessa maneira…
Eu também estava emocionado. O que pude responder foi:
– O senhor sabe que as pessoas conscientes, o povo organizado em movimentos sociais no Brasil inteiro acreditam na sua inocência e sofrem com a injustiça que lhe fizeram. Na Bíblia, há uma figura que se chama o Servo Sofredor de Deus que se torna instrumento de libertação de todos a partir do seu sofrimento pessoal. Penso que o senhor encarna hoje, no Brasil essa missão.
Comecei a falar da situação da região onde ele nasceu e lhe dei a notícia de que a ASA (Articulação do Semi-árido) e outros organismos sociais estão planejando um grande evento para o dia 13 de junho em Caetés, a cidadezinha natal dele. Chamar-se-á “ Caravana do Semi-árido pela Vida e pela Democracia” (contra a Fome – atualmente de novo presente na região – e por Lula livre). A partir daquela manifestação, três ônibus sairão em uma caravana de Caetés a Curitiba para ir conversando com a população por cada dia por onde passará até chegar em Curitiba e fazer uma festa de São João Nordestino em frente à Polícia Federal.
Ele riu, se interessou e me pediu que gravasse um pen-drive com músicas de cantores de Pernambuco, dos quais ele gosta. Música de qualidade e que não estão no circuito comercial. Vergonha. Nunca tinha ouvido falar de nenhum e nem onde encontrar. Ele me disse que me mandaria os nomes pelo advogado e eu prometi que gravaria. Eu tinha levado a ele um CD do Zé Vicente (Nativo) e ele me pareceu gostar, embora não tenha como escutá-lo naquela cela sem direito a nenhum computador, nem gravador, nem nada de som. Mas, vi que ele guardou com carinho.
Distenção feita, ele quis me mostrar uma fotografia na parede na qual ele juntou os netos. Explicou quem é cada um/uma e a sua bisneta de dois anos (como parece com dona Marisa, meu Deus!). Começou a falar mais da família e especialmente lembrou um irmão que está com câncer. Isso o fez lembrar que quando Dona Lindu faleceu, ele estava na prisão e o Coronel Tuma permitiu que ele saísse da prisão e com dois guardas fosse ao sepultamento da mãe. No cemitério, havia uma pequena multidão de companheiros que não queriam deixar que ele voltasse preso. Ele teve de sair do carro da polícia e falar com eles pedindo para que deixassem que ele cumprisse o que tinha sido acertado. E assim voltou à prisão.
A hora da visita se passou rápido. Perguntei que recado ele queria mandar para a Vigília do Acampamento e para as pessoas às quais estou ligado. Ele respondeu:
– Diga que estou sereno, embora indignado com a injustiça sofrida. Mas, se eu desistir da campanha, de certa forma estou reconhecendo que tenho culpa. Nunca farei isso. Vou até o fim. Creio que na realidade atual brasileira, tenho condições de ajudar o Brasil a voltar a ser um país mais justo e a lutar para que, juntos, construamos um mundo no qual todos tenham direitos iguais.
Para concluir a visita, propus ler um texto do evangelho e ele aceitou. Li o evangelho do próximo domingo – festa de Pentecostes e apliquei a ele – os discípulos que estão em uma sala fechada, Jesus que se deixa ver, mesmo para além das paredes que fechavam a sala. E deu aos seus a paz, a alegria e a capacidade de perdoar no sentido de discernir o julgamento de Deus sobre o mundo. E soprando sobre eles lhes deu a vida nova do Espírito. Segurei em suas mãos e disse: Creio profundamente que isso se renova hoje com você. Vi que ele estava emocionado. Eu também fiquei. Abri o pequeno estojo e lhe mostrei a hóstia consagrada que lhe tinha trazido da eucaristia celebrada na véspera. Oramos juntos e de mãos dadas o Pai Nosso. Eu tinha trazido duas hóstias. Eu lhe dei a comunhão e ele me deu também para ser verdadeiramente comunhão. Em um instante, eram vocês todos/as que estavam ali naquele momento celebrativo e eu disse a ele: “Como uma alma só, uma espécie de espírito coletivo, muita gente – muitos companheiros e companheiras estão aqui conosco e estão em comunhão e essa comunhão eucarística representa isso. Eu lhe dei a bênção e pedi a bênção dele para todos vocês. Foi isso.
Quando o policial que me foi buscar me levou para fora e a porta se fechou atrás de mim, me deu a sensação profunda de algo diferente. Senti como se eu tivesse saído de um espaço de liberdade espiritual e tivesse entrando na cela engradeada do mundo que queremos transformar. Que o Espírito de Deus que a celebração desses dias invoca sobre nós e sobre o mundo nos mergulhe no amor e nos dê a liberdade interior para irmos além de todas essas grades que aprisionam o mundo.
Dom Marcelo Barros é beneditino, biblista, especialista em espiritualidade e assessor de Dom Helder Câmera em questões de ecumenismo e diálogo entre as relgiões afro-brasileiras e de movimentos sociais e conferencista muito requisitado no Brasil e no exterior, escritor de fecunda produção teológica, ecumênica e espiritual.
Nossa, fiquei curioso e comecei a ler o texto…!!! parei no momento em que Lula disse que nuca foi a restaurantes de luxo e nunca fez visita diplomática a ninguém…!!!
Será que ninguém vai pedir como foi feita a lavagem de dinheiro do moro para exterior feita pelos seus amigos doleiros. Ai vem acusar uma pessoa se bem.
Admiro muitíssimo o monge beneditino Dom Marcelo Barros. Que bênção a visita dele ao ex-presidente Lula. Ele recebeu a Santa Comunhão, que alegria! Concordo com a colocação de que aqui fora estamos em uma prisão. Estou orando insistentemente pela conversão e santificação da humanidade. “Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, Sou Santo ” (Levítico 11,44 e 20,26).
Dom Marcelo Barros e Leonardo Boff,
Obrigada!
Que texto necessário, profundo e lindo!
Creia que a gratidão do conforto espiritual das visitas ao ex-Presidente Lula pelo senhor e pelo grande Leonardo Boff levaram a solidariedade a ele multiplicada por muitos!
Esse conforto espiritual real, que somente os servos de Deus como os senhores, conhecedores profundos das Escrituras sagradas podem prestar, sensibiliza e muito a todas as pessoas.
Recebam ambos a minha admiração e gratidão pelos seus gestos humanitários e cristãos prestados ao ao ex-Presidente Lula.
Anita, suas palavras me consolam pois muitos maliciam tudo e veem a visita não como um gesto humanitário e cristão mas como pura políticagem. Obrigado e seguiremos avante pois há uma Luz mais alta que nos guiará para superar a crise atual. Abraço fraterno Lboff
Nós é que temos a agradecer ao senhor, e muito, grande Teólogo Leonardo Boff e ao monge beneditino Dom Marcelo Barros!
Sempre leio o senhor no Jornal do Brasil e assisto as entrevistas do monge na TV SUPREN. Maravilhosos, ambos!
Há um mês, mais ou menos, procuro a sua coluna no JB e não a tenho visto.
O senhor nem imagina a esperança que nos traz com suas palavras de encorajamento! Essas visitas ao ex-Presidente Lula, tão injustiçado, com certeza trouxeram a ele o conforto necessário nesse momento de angústia profunda. Os senhores tem mesmo inspiração divina!
Estudaram tanto os textos sagrados que conseguem achar as mensagens adequadas ao conforto espiritual; quando menos se espera o feito acontece!
Por esses dias, num jantar de aniversário de um grande colega advogado, falávamos nós da desolação que atinge o nosso meio, eu bem desesperançada com a crise da justiça, quando a voz de um colega cristão praticante levantou-se e disse: “tenham esperança. O significado da imagem que Leonardo Boff passou a milhões que o viram, sentado com a sua bengalinha esperando para visitar Lula foi muito maior do que mil palavras! Foi de solidariedade pura! E isso se multiplica, creiam”.
E hoje eu vejo que o colega advogado estava certo, dada a amplificação dos seus gestos solidários – seu e de Dom Marcelo -, por muitos comentados, plenos de bom ânimo.
Obrigada por isso, pela fé dos senhores e por tudo de bom que há de vir dos seus corações e mentes.
Recebam ambos o nosso abraço de muita luz!
Eu não acredito no Deus Soberano, mas sei que o conhecimento da minha espiritualidade me permite sentir uma grande Paz Interior que a religião e a religiosidade de outrem trazem aos nossos corações, mentes e espíritos. #LulaLivre
“Não levantar falso testemunho”(Oitavo Mandamento da Lei de Deus). Nosso amado Papa Francisco está enfatizando as “Fake News”: Falsas Notícias. Soube que há anos em minha região um político suicidou devido a calúnias. Deus é fiel, nos diz várias vezes a Sagrada Escrittura. Precisamos ser fiéis, vivendo com seriedade e olhando com seriedade e respeito a vida de nossos semelhantes. “Não faça aos outros o que não quer que façam a você”.Na Liturgia da Igreja Católica estamos lendo , neste período sobre a “Prisão de Paulo apóstolo”,está me fazendo lembrar o sofrimento do ex-presidente Lula, nesta vivência de prisioneiro inocente… Conferir: Atos dos Apóstolos 21,17 em diante…
Marízia, obrigado por seus comentários sempre pertinentes e carregados de espiritualidade. Isso me consola face a ataques que movem contra mim e também contra o querido Papa Francisco. Mas a verdade tem sua força intrínseca e acabará sempre se mostrando. A falsificação queimará como a erva daninha.Com todo o meu respeito, admiração e apoio por suas atitudes e intervenções:Lboff
Queridos amigos: Senti-me inserida nesta visita que os senhores fizeram. Diariamente rezo para que o querido Lula suporte a cruz com dignidade de filho de Deus. Que beleza a partilha da Palavra e a simplicidade da comunhão ( que muito me emocionou), podem trazer a ele, que dom Marcelo proporcionou. Continuarei em oração para que os senhores continuem firmes na luta e daqui buscarmos mais aliados para essa missão.
Excellent blog post. I certainly appreciate this website.
Keep writing!
Nosso amado Lula tem um outro amigo gigante, nosso querido Dom Angélico Sândalo Bernardino, bispo hemérito de Santa Catarina. Eteve presente há um ano quando seria celebrada uma Sta. Missa na intenção de dona Marisa Letícia, que por sinal resultou em muita crítica.Sendo que não foi celebrada a Missa. Há vinte anos quando fiquei viúva e pleiteei minha pensão junto do Est. do RJ., disseram que só sairia dalí a seis meses.Teria mais duas pensões a receber. Pensei: e se fosse uma viúva com filhos a receber uma pensão. Ela em desespero poderia dar veneno às crianças e suicidar. Conhecia Dom Angélico de seu programa “Com muito Amor” na Rede Vida de TV. Escrevi para ele , que intercedesse por mim junto do Governador Garotinho. Ele o fez. Garotinho acolheu o pedido e imediatamente foi resolvida a questão. Recebi uma carta do Hugo Leal que chefiava a seção dizendo que estava reestruturando os trâmite para que fossem acelerados. EIS A PRÁTICA DO AMOR NO SERVIÇO PÚBLICO. PODEMOS TER ESPERANÇA DA PRÁTICA DA JUSTIÇA SOCIAL!
Marízia, valioso seu testemunho. Vc mostra a força do amor também no âmbito público.Parabéns. lboff