Quando há uma crise generalizada como esta que estamos vivendo e sofrendo sem perspectiva de uma saída que crie consenso, não temos outra alternativa senão voltar à fonte do poder politico, expressão da soberania de um povo. Temos que resgatar todo o valor do primeiro artigo da Constituição, parágrafo único:”Todo poder emana do povo”.
O povo é, pois, o sujeito ultimo do poder. Em momentos em que uma nação se encontra num voo cego e perdeu o rumo de seu destino, este povo deve ser convocado para dizer que tipo de país quer e que tipo de democracia deseja: esta com um presidencialismo de coalizão, feito de negócios e negociatas para garantir uma suficiente base parlamentar ou uma democracia de verdade, na qual os representantes eleitos representam efetivamente os eleitores e não os interesses corporativos e empresariais que lhe garantiram a eleição? Urge avançar mais: precisamos dar forma política à vontade de participação por parte do povo organizado nos destinos do país, mostrada nas jornadas de 2013.
No fundo volta a questão básica: vamos nos alinhar aos que detém o poder mundial (inclusive de matar todo mundo) ou vamos construir o nosso caminho autônomo, soberano e aberto à nova fase planetizada da humanidade?
O primeiro projeto prolonga a história ocorrida até os dias de hoje: desde a Colônia, passando pelo Império e pela República sempre fomos mantidos subalternos. Os ibéricos não vieram para fundar aqui uma sociedade mas para montar uma grande empresa internacional privada, uma verdadeira. agro-indústria, destinada a abastecer o mercado mundial. Essa lógica perdura até os dias atuais: tentar transformar nosso eventual futuro em nosso conhecido passado. Ao Brasil cabe ser o grande fornecedor de commodities sem ou com parca tecnologia e valor agregado, num processo de recolonização.
Lamentavelmente este é o intento do atual governo interino, especialmente do PSDB que claramente se alinha a um severo neoliberalismo que implica diminuição do Estado, ataque aos direitos sociais em favor do mercado e uma inescrupulosa privatização de bens públicos como o pré-sal entre outros.
O projeto alternativo finca suas raízes na cultura brasileira e no aproveitamento de nossa imensa riqueza que nos pode sustentar como nação independente, soberana e aberta a todas as demais nações. Seríamos uma grande potência, não militarista, nos trópicos, com uma economia, entre as maiores do mundo com um mercado interno vigoroso.
Curiosamente, as jornadas de junho de 2013 e posteriormente, mostraram que o povo percebeu os limites da formação social para os negócios. Quer ser sociedade, quer outras prioridades sociais, quer outra forma de ser Brasil. Numa palavra, quer ser uma sociedade de humanos,de cidadãos ativos, coisa diversa da sociedade de negócios. Tal propósito implica refundar o Brasil sobre outras bases.
Mas quem escutou, de verdade, o clamor das ruas, especialmente, dos jovens? Efetivamente ninguém, pois tudo ficou mais ou mewnos como antes.
O que, na verdade, nos faltou em nossa história, foi uma verdadeira revolução como houve na França, na Itália e em outros países que desse um novo rumo ao Brasil com novos sujeitos de poder. Mas o tempo das revoluções passou. Hoje preferimos falar em processos de transformação, como tentei elaborar junto um cosmólogo canadense, Mark Hathaway em nosso livro O Tao da libertação:explorando a ecologia da transformação (Vozes 2012, livro premiado nos USA com a medalha de ouro em ciência e cosmologia). Mas as transformações atingem o coração do sistema e dão origem a um novo paradigma de exercício de poder visando antes de tudo a preservação das bases ecológicas que sustentam nossa vida, a civilização, a natureza e o planeta Terra, tida como um super Ente vivo. Mas este seria outro tema que que nos levaria longe.
Importa reconhecer que a história nunca é uma continuidade, algo que cresce organicamente de uma para outra coisa. Ela é feita de descontinuidades e rupturas radicais, transformações que derrubam uma ordem e instauram uma nova.
No Brasil, como sempre lamentava Celso Furtado, nunca tivemos essa ruptura. O que predominou em todo o tempo até hoje é a política de conciliação entre os poderosos e as elites que controlam o ter, o saber e o poder. O povo sempre ficou de fora como incômodo aos acertos feitos por cima e contra ele.
O que está ocorrendo agora com a tentativa de impeachment da Presidenta Dilma Roussef, legitimamente eleita, é de dar continuidade a esta política de conciliação das elites, do capital rentista e financeiro, daqueles 10%, segundo o IBGE de 2013 que controlam 42% da renda nacional, articulados com o judiciário e com a grande mídia conservadora. Jessé Souza do IPEA os enumera: são 71.440 super ricos que, por trás manejam o Estado e os rumos da economia na perspectiva de seus intersses, absolutamente egoistas, conservadores e anti-populares.
Não lhes importa a perversa desigualdade social, uma das maiores do mundo, que se traduz em favelização de nossas cidades, violência incontrolável, geração de humilhação, preconceito e degradação social por falta de infra-etrutura, de saúde, de escola e de transporte.
Se o Brasil foi fundado como empresa e para continuar como empresa transnacionalizada, é hora de se refundar como sociedade de cidadãos criativos e conscientes de seus valores.
O meu sonho é que a atual crise com o sofrimento que encerra, não seja em vão. Que ela crie as bases para o que Paulo Freire chamaria de “o inédito viável”: nunca mais coalização entre os poucos ricos de costas para as grandes maiorias. Que se busque viabilizar o que prescreve a Constituição em seu terceiro artigo (IV):”promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Leonardo Boff é articulista do Jornal do Brasil online e escritor.
Caríssimo Irmão em Cristo, Leonardo Boff, acabo de receber um presente régio, pelo meu natalício, amanhã,ESTA SUA COLOCAÇÃO ILUMINADA! Com base na Constituição, Cidadã. “Refundar uma Sociedade de cidadãos criativos e conscientes de seus valores”. Não marionete de capitalistas egoistas. “O inédito viável”, opotuno, justo! Amém! Marízia Costa Carmo Lippi,Diocese de Petrópolis,LEIGA.
É uma esperança inglória esperar que, após a crise, crie-se melhor humanidade, solidariedade e fraternidade.
A crise muda a história do mundo, a vida pouco ou nada tem a ver com essa história moldada por especulação. A vida é outra história.
Republicou isso em Zefacilitador.
Venho refletindo sobre essa questão desde quando percebi, nas ruas, no final do primeiro mês de manifestações, o surgimento de uns poucos cartazes reivindicando eleições gerais. Lembro-me bem que naquele instante, ao observar as pessoas próximas que ficaram em cima do muro, que o discurso anti-PT massificado pela grande mídia já dava lugar a espasmos de pensamento independente, frente a percepção da esparrela jornalística do impeachment. A reação naquele momento, foi seguir o raciocínio mais natural possível: “não adianta, precisa trocar todos”.
Senti-me desconfortável quando isso foi introjetado nos movimentos, pois abracei a bandeira inquestionável da legalidade, que culminaria com a volta de Dilma e de repente uma fragmentação, uma agitação crescente e desesperada durante as semanas seguintes até que Ciro Gomes começou a ser cogitado como possível candidato da esquerda. Desde o início, considerei a guinada preocupante. Felizmente, Ciro jogou um balde de água fria, em nome da legalidade e outras razões, arrematando: “É marinismo”.
Parece que isso arrefeceu a pressa que depois passou a dar lugar a tese do poder do povo, como nesse artigo. Fico feliz pela posição do senhor me representar. Estamos voltando, enfim, à razão, à tranquilidade. Claro que teria sido um caminho mais fácil, abordar a grande quantidade de pessoas num raro momento de rejeição à massificação antissocializante, num raro abrir de olhos durante um profundo coma. Tornaram-se um importante capital político que precisa ser levado a sério, mas creio ser melhor não ir com tanta sede ao pote, até para deixar claro que o objetivo central é o povo e não o cabo de guerra que nos trouxe até aqui, para termos chances reais no enfrentamento dos vícios do sistema político vigente.
Não tenho tido tempo suficiente para acompanhar a divulgação de agenda das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, estar aqui com o senhor, acompanhar todas as matérias, entrevistas, reportagens, feeds no twitter ao mesmo tempo. Precisei reduzir ao principal para me manter situado. É bastante coisa, ainda mais com algumas marolas decorrentes de toda essa situação que tem perturbado o lugar onde trabalho. Nessas horas gostaria que o dia tivesse mais de 24h. Combinei com as pessoas que vão nas manifestações comigo o seguinte: o que descobrir primeiro data e hora do próximo evento avisa aos demais. Tem dado certo desde o início e não perdi nada até agora.
Agora é o momento ideal para termos comícios de Dilma, professor, retomando – essencialmente – a proposta do discurso da posse do segundo mandato na Praça dos Três Poderes, devidamente ajustado aos acontecimentos, falando rapidamente do golpe e seus personagens e detendo-se na sua trajetória e seus sonhos, sem rodeios, para que fique patente o caráter pessoal e cidadão de seu compromisso com o povo e a democracia, com a retomada do crescimento do país de forma inclusiva, que a meu ver sempre foi o objetivo dela.
Poderia começar a reforma política, iniciando um período de transição racional – para não dar à oposição o argumento do radicalismo, temor pela democracia direta e outras questões institucionais – utilizando pontualmente plebiscitos como lastro político e injeções de representatividade até o término da reforma. Duvido muito que, se a população for chamada às urnas para votar temas de interesse nacional, haverá o mesmo desinteresse que há pelas eleições gerais porque eliminará a premissa fundamental da atual e justa queixa pela crise de representatividade. Incitaria o debate dentro e fora das redes sociais pelos temas consultados e levaria o país a um outro clima, oxigenando a democracia e a esperança de breve superação desse momento difícil.
Isso ainda ajudaria a reparar a confiança no sistema representativo, pois se houver uma adesão da classe política, sem resistência, às consultas populares via plebiscito, o povo precisará meditar e reconhecer que tal gesto, vindo de quem já está eleito para decidir sem referendo, representa um reflexo da própria confiança do povo no momento em que elegeu cada um. Creio que esta seja uma boa saída para melhorar o país, professor.