Esta entrevista foi publicada originalmente no DW Brasil.
Em 13 de março de 2013, Francisco foi eleito papa. E em apenas um ano à frente do Vaticano, colocou em discussão uma série de assuntos antes deixados de lado pela Igreja, dando início a um processo de transformação da instituição e do papel do pontífice.
Em entrevista à DW, Leonardo Boff, um dos expoentes da Teologia da Libertação e um dos principais críticos do conservadorismo católico, diz que Francisco tornou a Igreja mais viva ao fazer uma reforma do papado.
“Francisco não vestiu o figurino clássico do ‘papa monarca’ com o primado jurídico absoluto e com a supremacia doutrinal e pastoral”, afirma Boff, que em 1992 deixou todos os cargos na Igreja, após ser censurado pelo Vaticano. “Ele mudou o clima. Antes o ambiente era severo e sombrio.”
DW: O que mudou na Igreja Católica no Brasil um ano depois que o papa Francisco foi eleito?
Leonardo Boff: Ele mudou o clima, o que não é pouco. Há alívio porque a Igreja como instituição era vista como um pesadelo. Há alegria, pois antes o ambiente era severo e sombrio. O que se percebe é que muitos padres e bispos se tornaram mais acessíveis ao povo, mais tolerantes, menos doutrinários. O arcebispo do Rio, Dom Orani Tempesta, ao ir a Roma para receber o chapéu cardinalício, viajou de classe econômica para seguir o exemplo do cardeal Bergoglio, que sempre viajava assim. Mas talvez seja cedo demais para ter uma impressão mais precisa das modificações nos hábitos dos padres e dos cristãos.
Com o papa, a Teologia da Libertação pode ressurgir das cinzas?
Ela nunca esteve nas cinzas porque a opressão continua e os cristãos conscientes se orientavam pela Teologia da Libertação para dar sentido às suas práticas. Os teólogos continuaram a publicar, apesar da vigilância severa do cardeal Ratzinger, que se fez inimigo da inteligência dos pobres.
Esse é o peso que ele carregará pela história. Roma tentou por todas as formas liquidar com este tipo de teologia, mas saiu frustrada, pois o teor evangélico da Teologia da Libertação depunha contra Roma, que se mostrava indiferente face ao drama dos pobres. Fala dos pobres, mas nunca quer encontrá-los fisicamente.
Qual foi o papel da Teologia depois que Francisco assumiu o Vaticano?
Com o novo papa ela ganhou centralidade, pois ele colocou a questão da justiça social e da igreja pobre para os pobres no centro das preocupações de seu pontificado. Ele vai ao encontro dos pobres, abraça-os e beija-os porque são, segundo suas palavras, “a carne de Cristo”. Ao receber em audiência no dia 11 de setembro de 2013 Gustavo Guiérrez, um dos fundadores desta teologia, e em seguida o pequeno irmão de Jesus Arturo Paoli, de 102 anos, que trabalhou durante 45 anos na linha da libertação na América Latina, o papa deu sinais claros de que quer prestigiar e até resgatar a Teologia da Libertação.
O papa quer prestigiar e aumentar o poder dos leigos porque a falta de padres no continente é grave. Já há sinais de quais serão esses novos poderes? Eles poderão celebrar a eucaristia ou outros sacramentos?
A categoria central da visão de Igreja que o papa representa é a “Igreja como povo de Deus”. Todos pertencem a este povo, que é constituído principalmente por leigos, homens e mulheres. O papa quer que os leigos, especialmente as mulheres, participem das decisões da Igreja e não apenas participem da vida da Igreja. A forma como o fará não sabemos. Sabemos apenas que ele é surpreendente e que coisas novas poderão ser esperadas, inclusive a nomeação de mulheres como cardeais, já que “cardeal” é na tradição um título, desvinculado do sacramento da Ordem.
Não é preciso ser padre ou bispo para ser cardeal. Não creio que ele permitirá que leigos celebrem eucaristias, pois seria um passo demasiadamente ousado. Mas como ocorre nas comunidades eclesiais de base nas quais não está presente um padre, ritualiza-se e dramatiza-se a ceia do Senhor. Eu creio, como teólogo, que tal prática é uma forma de trazer sacramentalmente Cristo para o seio da comunidade.
Qual a contribuição que a Igreja da America Latina poderia dar para as reformas do Vaticano?
A maior contribuição que a América Latina está dando à reforma do Vaticano é a pessoa do papa Francisco. Ele não começou com a reforma da Cúria, mas com a reforma do papado. Ele não vestiu o figurino clássico do “papa monarca” com o primado jurídico absoluto e com a supremacia doutrinal e pastoral. Ele se entende com bispo de Roma e quer presidir na caridade.
É importante observar que esse papa cresceu dentro do caldo cultural e eclesial da Igreja latino-americana, cujo rosto é muito diferente da Igreja da velha cristandade europeia. É uma Igreja viva, com comunidades de base, com pastorais sociais fortes, com figuras de bispos proféticos e com mártires da perseguição das ditaduras militares.
Que características o papa Francisco trouxe para o pontificado?
Ele traz ao Vaticano hábitos novos, evangélicos e proféticos. Ele se entende como um homem comum que gosta de estar junto com outros homens comuns, partilhando de suas buscas e perplexidades. Mais que ensinar, ele quer aprender no diálogo e na convivência. Estes traços pastorais são típicos da maioria dos bispos da América Latina. Com isso ele está resgatando o rosto humanitário, misericordioso e afável da severa institucionalidade da Igreja. Penso que ele será o primeiro de muitos papas que virão do terceiro mundo, pois aqui vive a maioria dos católicos.
Na sua opinião, qual seria a reforma mais importante que a Igreja Católica teria de fazer?
Eu creio que haverá uma nova forma de direção da Igreja, não mais monárquica, mas colegial. Quer dizer, o papa não dirigirá a Igreja sozinho, mas com um colégio de cardeais, bispos, leigos e mulheres. Ele insinuou claramente isso dizendo que deve haver mais corpos de decisão na Igreja junto com ele.
O Brasil ou a América Latina poderiam ser pioneiros em alguma delas?
Na América Latina temos acumulado boas experiências de pastoral de conjunto, seja no nível nacional, seja no continental. Quanto ao celibato, já foi dito que não é uma questão fechada como o era no tempo de João Paulo 2º, que proibia sequer levantar tal questão. A meu ver o caminho será mais ou menos este: primeiro convidará os cem mil padres casados do mundo inteiro que possam, e que queiram, para reassumir o ministério.
Este seria o primeiro passo. Em seguida permitiria o celibato opcional. Não haveria mais a lei do celibato obrigatório. Para este papa a Igreja é de todos, especialmente daqueles que foram postos de lado. A Igreja é uma casa aberta para todos. Todos podem entrar sem prévias condições.
O sr. estaria disposto a assumir um cargo de liderança nesse processo de reformas?
Não espero nem pretendo ter nenhuma função na Igreja. Basta-me a palavra livre.
As palavras impressas aqui, acredito eu, é o que todos gostariam de ler e ouvir há muito tempo!!!! Mas ainda falta uma, que eu gostaria que acontecesse, que eu mesma acho ousada, mas pertinente aos tempos que estamos vivendo; até porque, tudo está acontecendo pra ontem, e, já é um grande avanço. Vejo como pertinente, e sempre me incomodou a denominação religião católica apostólica romana – algumas pessoas me olham de forma enviesada, quando falo isso. São os resquícios da
monarquia que se fazem presente até hojeeee!!! Esse poder, esse fechamento de “romana”
O Cristianismo não é romano,desde quando? Por que escravizou Jerusalém? Por que Roma tentou ser dona do mundo? Com que autoridade roma tem que ser o centro? Por que criaram o Vaticano?
Por acaso Jesus deu essa autorização fechada, de casta?
Estava engasgada por não me manifestar, dizendo isso, numa página tão séria como a sua Frei Leonardo Boff!!! Tinha receio… mas, sei que compreende os anseios do povo, dos cristãos. Cristianismo é o suficiente, é universal. Sei que não falei uma blasfêmia, meu coração está em paz!
Graças a Deus que o papa Francisco surgiu do terceiro mundo, porque, se a tutela papal fosse só européia e romana, nada mudaria.
Carissima Simone sobre o que afirmou e que é uma teoria interessante e instigante há Judaismo Nazareno A religião de Yeshua e Seus Talmadim de Fabio Moraes de Aragão ww.judaismonazareno.org donw low gratis. Boa Leitura
Boff, esse seu entusiamo com o Bergoglio me surpreende. A instituição é liderada por conservadores e querem manter o status. Como teólogo você deve saber muito bem que Jesus não fundou uma instituição e sim a igreja, congregação dos que têm fé Nele, e a ICAR não tem nada a ver com as práticas evangélicas.
Uma brisa de liberdade. Jesus está contente com a obra de seu discípulo.
Não da nem pra contar o tanto de heresia e maledicência deste post. Se quer saber o q o Papa acha da sua “teologia” de merda, leia Evangelii Gaudium!:
“Inspirada pela opção preferencial pelos pobres, a Igreja fez uma opção pelos pobres, entendida como uma «forma especial de primado na prática da caridade cristã, testemunhada por toda a Tradição da Igreja». Como ensinava Bento XVI” e
“Quando amado, o pobre «é estimado como de alto valor», e isto diferencia a autêntica opção pelos pobres de qualquer ideologia, de qualquer tentativa de utilizar os pobres ao serviço de interesses pessoais ou políticos. “
Gil,
Só para o seu desprezer: o Papa já me convidou pois quer falar comigo em Roma. E me pediu duas vezes materiais pois está preparando uma enciclica sobre ecologia, teologia e pobreza. Não fique triste. Apenas melhore sua boca pois usa palavras indecentes. Vc precisa de libertação.
lboff
Que bom viver para presenciar essas mudanças!!!
Caro frei Leonardo,
Fico feliz por ler essa entrevista em seu blog mas indignado porque ela sequer foi mencionada pela grande mídia nacional sendo o senhor uma das figuras de exponência no cenário católico das últimas décadas justamente por ser um dos idealizadores da TL. A única coisa que se viu, com muita discrição, foram notas esparsas na internet, de quando o Papa Francisco recebeu um bispo – mexicano, se não me engana a memória e, corrija-me, por favor, se estiver errado – considerado um dos idealizadores da TL.
Em compensação, os fascistas QUINTA COLUNAS que parecem reproduzir-se com a velocidade dos vermes, reúnem-se em comunidades nazi-fascistas na internet, pregando o golpe militar, a derrocada do governo, a censura aos movimentos sociais e aos direitos humanos, invocando, inclusive, o auxílio da Igreja para esta tarefa pérfida. Um dos lastimáveis exemplos que joga a credibilidade da Igreja do Brasil no lixo é a carta do príncipe herdeiro ao Papa Francisco onde, apresentando-se como sucessor do trono brasileiro, intima Sua Santidade a tomar uma postura contra o MST e outros movimentos sociais ligados a setores libertários dentro da Igreja. Cheia de citações em Latim – num arremedo típico de falsa erudição e pretensão nobliárquica – o tal príncipe deixa em seu discurso muito claro, embora nas entrelinhas, que a Igreja pode ser co-responsável por uma explosão social acaso não venha a assumir uma postura mais dura contra os movimentos sociais ali denominados pelo “príncipe” como subversivos.
Infelizmente, moramos num país onde a ignorância é marca registrada, mesmo entre cidadãos que ostentam, orgulhosos, um diploma universitário. Uma declaração como a deste “herdeiro” do trono brasileiro ou dos velhos e burocratas bispos que de longa data conhecemos tão bem as práticas Pilatinas de lavar as mãos quando defrontados a problemas que envolvem os pobres só vem reforçar o papel da Igreja distanciada e seletiva com a qual convivemos e da qual tantos já se fastaram.
Espero que o Papa Francisco o convoque à Sé de Roma, Frei Leonardo, e corrija a infâmia de um julgamento sem direito à defesa ao qual o senhor foi submetido sob a presidência de Ratzinger, e que o papa hermano lhe restaure os direitos cassados. Pessoas como o senhor tem muito a enriquecer o debate e fazê-lo de dentro do seio da Igreja seria de suma importância para o nosso combalido Brasil. A religiosidade, e a Igreja Católica em especial, sempre foram muito importantes no fabrico de um tecido social estável neste país e pessoas com ideais de renovação e de prática Evangelística real são mais que bem-vindas neste e em outros momentos da nossa história que se seguirão.
Um abraço fraterno e cheio de esperança em dias melhores!
Fernando,
Gostei de suas ponderações sensatas que reforçam a linha que juntos estamos construindo.
parabens.
lboff
Prezados, estou também muito feliz com esse Papa.
Escrevi esse texto sobre ele e os crstãos. Tenho esperança que ele reforme parte da cristandade.
http://blogdoamstalden.com/2014/03/13/cantinho-da-polemica-papa-cristo-e-a-omissao-dos-cristaos-por-eduardo-stella/
As reformas empreendidas pelo Papa Francisco vão de encontro aos interesses do próprio Vaticano, que almeja com o novo papa tentar limpar a imagem da igreja diante de tantos escândalos. Um homem sozinho jamais conseguiria mudar os costumes e as práticas milenares de uma Igreja. Não vamos ser ingênuos. Nos últimos anos observou-se o crescimento das igrejas pentecostais e o Vaticano não poderia ficar inerte, sem fazer reformas urgentes. Ao contrário do que as pessoas pensam, Bento XVI não foi tão conservador como o pintam. Afinal de contas, ele não criticou nem perseguiu esses padres midiáticos (como Manzotti e Marcelo Rossi) que tanto banalizam a doutrina cristã. Infelizmente, depois de mais de 2 mil anos, não dá para pensar o cristianismo como a solução para os problemas do mundo. Nada pode mudar o coração do homem…
muito feliz com o papa francisco. verdadeiro sequidor de cristo.
Penso que a igreja, deve se preocupar em pregar o verdadeiro evangelho, sem rituais , e dogmas, para que haja uma conversão em CRISTO. Me chama muito a atenção sobre o celibato, não consigo entender porque um obrigatoriedade, sendo que DEUS nunca disse que para servi-lo teria que ser celibatário. Temos o exemplo dos apóstolos, alguns eram casados. Espero que haja outras mudanças, dentro da igreja para que a mesma volte aos princípios bíblico.
Leonardo comentou que, antes do papa Francisco, “o ambiente era severo e sombrio.” No entanto, devemos refletir: existe algo mais sombrio e severo do que a Bíblia? Em Lucas 9, 23, Jesus disse: “Se alguém quer vir após de mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-me”. E o que quer dizer ‘tomar a sua cruz’? Jesus quis dizer que é preciso se sacrificar, negar a si mesmo, renunciar a tudo para conseguir a vida eterna. “Quem diz que está nele, deve também andar como ele andou” (1 João 2, 6). E Jesus sofreu, foi perseguido e martirizado, assim como os seus apóstolos. Para o ser humano, que é materialista por natureza, é muito doloroso ter de renunciar aos bens materiais, que tanto satisfaz a vaidade humana. “Assim pois, qualquer um de vós que não renuncia a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo” (Lucas 14, 33). Quem não agir de acordo com os ensinamentos de Cristo, se perderá eternamente. Nesse sentido, Jesus é intransigente. Muitos serão os chamados, mas poucos os escolhidos.
Bento XVI é conservador sim, mas ele não pôde mudar a Igreja nem impor a sua opinião aos fiéis. Ao contrário do que as pessoas pensam, os católicos não agem de acordo com as ideias do Papa. Conheço muitos católicos que estão indignados com a postura ‘aberta’ do papa Francisco com relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. O católico homofóbico não mudará de opinião por causa do Vaticano. Eles sempre irão dizer: há joio no meio do trigo ou irão se mudar para as igrejas pentecostais.
Além disso, não é certo adaptar o cristianismo aos tempos modernos. Se o Deus judaico-cristão existe, ele é imutável e sua sabedoria é infinita. O que está na Bíblia, então, é verdade absoluta e não deve ser mudada ou ‘adaptada’. Os cristãos, quando discordam de algo da Bíblia, se desculpam dizendo que ‘era costume da época’, o que é o mesmo que dizer que a sabedoria de Deus é limitada.
L. BOFF, é com alegria que compartilho da tua esperança frente a pessoa do Papa Francisco. Vejo que os posicionamentos do novo pontífice tem causado verdadeiro alvoroço entre os padres conservadores, notadamente aqui na minha cidade de Várzea Grande -MT , onde alguns padres se colocam como príncipes e temem a proximidade com as comunidades mais carentes e se preocupam unicamente com os ritos da igreja, celebrando inclusive missa em latim, num retrocesso sem precedentes frente às novas exigências da igreja. Estou muuuito contente com os novos rumos que o novo papa começa a imprimir na Igreja.