O presidente da FAO, órgão da ONU responsável pela alimentação e a agricultura no mundo, o brasileiro Graziano, recomendou, durante a Rio+20 ao Congresso Norte-americano que poupasse mais milho, usado nos USA na produção de energia, o etanol, para destiná-lo à alimentação humana. Ele prevê para os próximos anos o cruzamento de duas linhas perigosas: a da falta de água e a do aquecimento global. Tal evento produziria uma catástrofe alimentaria sem precedentes na humanidade, pois destruiria grande parte das safras e aumentaria a desertificação. Neste contexto dramático, o milho entrou a ser uma referencia alimentaria salvadora, o milho humilde que “o Justo não consagrou Pão de Vida” mas que agora simbolizará a sobrevivência de milhões e milhões de pessoas. Em reverência ao milho, publico aqui o poema de Cora Coralina “Oração do Milho” que considero um dos mais comovedores poemas histórico-ecológicos de nossa literatura brasileira: Lboff
Oração do Milho
Senhor, nada valho.
Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres.
Meu grão, perdido por acaso,
nasce e cresce na terra descuidada.
Ponho folhas e haste e se me ajudares, Senhor,
mesmo planta de acaso e solitária,
dou espigas e devolvo em muitos grãos
o grão perdido inicial, salvo por milagre,
que a terra fecundou.
Sou planta primária da lavoura.
Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo
e de mim não se faz o pão alvo universal.
O Justo não me consagrou Pão de Vida, nem lugar me foi dado nos altares.
Sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham na terra, onde não vinga o trigo nobre.
Sou de origem obscura e de ascendência pobre,
alimento de rústicos e de animais de jugo.
Quando os deuses da Hélade corriam pelos bosques
coroados de rosas e de espigas,
quando os hebreus iam em longas caravanas
buscar na terra do Egito o trigo dos faraós,
quando Rute respigava cantando nas searas de Booz
e Jesus abençoava os trigais maduros,
eu era apenas o bró nativo das tabas ameríndias.
Fui o angu pesado e constante do escravo
na exaustão do eito.
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.
Sou a farinha econômica do proletário.
Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam
a vida em terra estranha.
Alimento de porcos e do triste mu de carga.
O que me planta não levanta comércio, nem avantaja dinheiro.
Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis.
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado.
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.
Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta de seus ninhos.
Sou a pobreza vegetal agradecida a Vós, Senhor,
Que me fizestes necessário e humilde.
Sou o milho.”
(Cora Coralina, Oração do Milho em Poemas dos Becos de Goiá e Estórias Mais, Global Editora, São Paulo 1985, pp. 163-164)
Não é de se comover e de chorar?
Não só pela urgência do tema, mas, também, pela beleza do poema, recomendo esta leitura!
Que coisa boa poder ser alimentada ainda tão cedo por belas e sábias palavras! Parabéns GRANDE L.Boff, por sua persistência em deixar ensinamentos para os futuros…Abraços!
Emocionante!
Caro Boff, sempre tão sensível e justo com a vida. Um sábio no qual é difícil perceber fraquezas ou inseguranças. Um homem que viveu sozinho o que muitos não sonharam, e que fotografa na alma tudo que passa pelos olhos. Sou uma jovem ainda com o olhar cheio de conflitos, ainda envolvido em paixões por qualquer coisa, mas que gosta de ver a mágica das barbas prateadas. O mundo deveria dar mais ouvidos às suas histórias.
Raquel,
agradeço suas palavras generosas. Vejo que tem ideais e sonhos. Conserve-o pois isso lhe dá grandeza e cuide de realiza-los na medida do possivel. Assim sua energia se espalha por toda a rede da vida,daquelas que amam a vida e querem que ela seja boa e tenha futuro.
Com fraternura
lboff
Cara Raquel
Eu que já caminho para o “segundo tempo” da vida, já não sou tão jovem, também carrego meus conflitos e igualmente, desde a juventude quando conheci a TL, nas palavras do mestre L. Boff, tenho buscado alento e caminhos para o autoconhecimento. Concordo com você em gênero, número e grau: “o mundo deveria dar mais ouvidos às suas reflexões, honestas, sinceras e que dada a beleza, a mística e profundidade parecem emanar de Deus”.
Abraços
Caro Boff, mais uma vez o milho da América pode salvar o mundo da fome, como aconteceu com a batata, na época dos grandes descobrimentos. Oxalá se dê mais valor ao alimento do pobre e dos animais…
é engrçado kkkkk