O STF inovou em vários pontos a jurisprudência brasileira, especialmente na utilização da polêmica categoria “domínio do fato total”, mediante a qual foi construida uma narrativa com coerência interna que facilitou a inclusão da maioria dos incriminados e a formação do convencimento acerca da Ação Penal 470. Publicamos este artigo do economista e pesquisador José Carlos Peliano que nos ajuda a aprofundar esta questão. Isso não é indiferente para a formação da consciência dos cidadãos e para melhorar nosso sentido de participação na melhoria das relações políticas em nossa sociedade: LBoff
A teoria do domínio do fato (objetiva e subjetiva) trata o autor da ação criminosa, não pelo resultado dela, mas pela conduta durante a ação criminosa, como quem tem o controle de todas as etapas que levam ao fato final. O que importa aqui não é a autoria do fato final, mas a conduta do autor ao ter o controle subjetivo do fato atuando nele.
Originária da Alemanha no final dos anos 30, a Teoria foi acolhida no Código Penal na forma restritiva, quando o autor é tipificado como o que realiza a ação criminosa e é sujeito à pena por promover ou organizar a cooperação no crime ou dirigir a atividade dos demais membros.
O ponto central da questão está em conhecer o fato delituoso, e saber quem são o autor e o coautor ou coautores. O que, a princípio, não é novidade alguma uma vez que toda e qualquer ação criminosa passa por esses dois estágios. Mas o que difere a ação criminosa comum daquela tipificada pela TDF é que, ao contrário daquela, esta prescinde na maioria das vezes de provas concretas, bastando o recolhimento de indícios e provas testemunhais para conhecer o fato, autor e demais implicados.
Exatamente por conta dessa diferenciação que as críticas a TDF têm procedência. Tanto o autor quanto o coautor ou coautores podem eventualmente, mas com alta probabilidade, vir a ser condenados por delitos que não cometeram, embora estivessem implicados por uma razão ou outra na ação criminosa. Por que esse risco? Porque a TDF se apoia fortemente em indícios e provas testemunhais e na conduta do autor e não no resultado da ação criminosa.
Se os indícios estiverem repletos de fragilidades factuais além de as provas testemunhais recolhidas se mostrarem frágeis ou contraditórias, a aplicação da TDF estará com toda a certeza eivada de vícios processuais e jurídicos, o que leva necessariamente à dúvida de julgamento. E na dúvida, clama a Justiça que o réu seja beneficiado.
A dúvida se avoluma quando, pela aplicação da TDF, o autor da ação criminosa é tipificado por sua conduta ao longo da efetivação da ação, ou seja, de sua concepção ao resultado final. Aí o recolhimento dos indícios e dos testemunhos é de vital importância porque a decisão judicial vem carregada de subjetivismo de julgamento. Não se trata de um fato localizado, a ação criminosa, bem mais fácil de ser diagnosticado, mas de todo um processo que levará à ação criminosa, bem mais difícil de ser entendido e investigado.
Como dizem os juristas, “conheço do processo” do mensalão por breves e parciais publicações na mídia, além de pronunciamentos dos ministros e advogados no decorrer do processo no STF, o que me impede de aprofundar minhas considerações e me posicionar com mais convicção. Mas há elementos fortes de convencimento que me levam a considerar que até agora houve elevado grau de subjetividade no julgamento, não só pela falta considerável de provas, pela existência de vários indícios controversos, mas também pelo reconhecimento do teor subjetivo das decisões de alguns ministros por eles mesmos expressos aqui e ali.
Disseram alguns que o processo tem elevado componente político daí ser difícil para o STF levar a frente um julgamento tradicional nos moldes jurídicos então vigentes. Mas se o teor político é alto, portanto apoiado em visões pessoais, convicções estabelecidas, pressões da mídia, além de preconceitos arraigados, caberia à Suprema Corte dosar melhor o julgamento e se valer de teoria jurídica menos afeita ao subjetivismo do julgador e ao acúmulo de indícios questionáveis e falta de provas. Afinal, o próprio delator do dito esquema de compra de deputados, ao qual se deu o nome de mensalão, voltou atrás e amenizou o teor e as implicações de sua denúncia quando o processo já estava em julgamento no STF.
O grau de subjetividade foi tal que em algumas decisões dos ministros ficou claro que, à falta de provas concretas, mas com muitos indícios juntados sob algum entendimento, caberia ao réu provar que os indícios eram equivocados, em outras palavras o réu haveria de demonstrar que não tinha participado da ação criminosa, ou melhor, caberia a ele provar que não era culpado! O que é o fim do mundo jurídico e do arcabouço legal segundo o qual cabe apenas ao acusador a prova.
Não se justifica afirmar que os réus tiveram tempo suficiente para provar suas inocências uma vez que o julgamento é totalmente atípico. Não poderão eles recorrer das decisões, como soe acontecer em julgamentos comuns, apenas em circunstâncias excepcionais. Isso eleva ainda mais os danos causados pela subjetividade das condenações.
Recente decisão judicial de instância inferior em processo ordinário mostrou que o juiz não aplicou a legislação cabível apoiado em sua visão do domínio do fato. Com certeza a sentença foi influenciada pelo julgamento do mensalão. A temeridade da decisão põe em risco a estabilidade da aplicação da justiça no país.
Da fragilidade da Teoria do Domínio do Fato ao “eu-achismo” da montagem da denúncia e da peça acusatória, à restrição dos recursos processuais, segue uma inevitável conclusão de que as condenações levadas a termo no processo do mensalão estão marcadas por profundas fragilidades processuais e de julgamento. Além do mais o acesso à Justiça passa a estar dependente agora de menos legislação e mais opinião dos juízes. O domínio do fato chegou de vez para tornar imprevisíveis as decisões judiciais e impor o fato do domínio da subjetividade nas sentenças.
Fonte: José Carlos Peliano: blogstorablogspot.com.br
Caro Boff,
Ainda não consigo acreditar que as penas aplicadas na AP 470, acontecidas justamente na época da eleição, não sejam frutos de puro reacionarismo. Os ministros, de alto saber, tiram conclusões difícieis de serem digerídas pelo populacho, ao qual me incluo. É dita repetidas vezes o termo “quadrilha”, como se pessoas como José Dirceu, José Genoino e João Paulo Cunha fossem bandidos roubando cargas e assassinando motoristas de caminhões. É isso que os senhores ministros supremos passam. Mas não é isso que entendemos. Onde estavam os senhores ministros na época em que a ditadura prendia, quebrava e matava? Fazendo passeata em favor do golpe ou lutando por um Brasil livre? Sei. Nada tem a vêr uma coisa com outra. E não tem mesmo. Eu tenho como verdade que o dinheiro público é sagrado. E o POVO (em maiúscula) como pregava D.Helder Câmara, é soberado. Portando, não pode ser roubado. Mas esse julgamento da AP 470 me deixa com mais dúvidas que certezas.
(CA)
Com todo respeito ao professor Leonardo Boff e ao senhor José Carlos Peliano, Estou convencido da culpa dos acusados e da justiça do resultado do julgamento. Os fins não justificam os meios.
Imprevisível era a condenação de algum político brasileiro até então nobre blogueiro. O que vocês querem é a rídicula tese de só condenar um político quando o crime for confessado ou quando o larápio for filmado, fotografado no exato momento do roubo (ou seja, algo impossível) kkkkk mesmo assim, eles arrumam um bom advogado para contra argumentar e desdizer o que foi dito, dizer que a filmagem, a foto, etc. não é uma prova lícita (válida) porque não foi autorizada pelos partícipes… kkkkkk :)Vocês me fazem rir com esse artigo mixuruca de apologia à safadeza….
Ao prezado Doutor Leonardo Boff
Acredito que diante de inédito e inusitado julgamento, denominado “mensalão”, homens de bem como o senhor e outros tantos mais, não podem deixar de continuar expressando os mais contundentes, urgentes e seguidos protestos pela internet e outros meios legais, sobre esse surpreendente linchamento de líderes, a céu aberto, bem ao gosto e rancor de alguns integrantes da ditadura militar. Trata-se do aniquilamento de brasileiros, que pagaram e continuam pagando, altos preços pela grande coragem que tiveram, expondo suas próprias vidas lutando contra a sangrenta e corrupta ditadura militar. Inclusive, alguns desses bravos homens foram submetidos à hedionda e covarde tortura por essa mesma ditadura.
Pelo andar da tramitação judicial, se consagrada esperadas e fulminantes sentenças finais, com nada de urgentemente e efetivas manifestações realizadas agora, por homens de coragem e de grande envergadura moral e intelectual, como a do senhor, tenho certeza que não se perdoaram jamais, por terem deixado de manifestarem de modo enérgico, questionando as raízes, fundamentos e origens de tamanho e impensável linchamento, sobre massacrante cobertura da grande mídia, em especial, da conhecida Rede Globo. Já passa da hora de todas as instituições sérias do Brasil, que em recente passado não se acovardaram diante da violenta ditadura militar, tomarem as mais enérgicas posições, indagando a quem interessa fulminante julgamento. Quem são as cabeças? O que querem? Quais os reais objetivos?
De uma coisa é certa e muito clara, nada tem a ver com legítimos e honrados propósitos de por fim à velha e conhecida roubalheira das elites. Disso, ninguém pode ter dúvida alguma.
Quem é apenas leitor de Veja e assiste apenas aos noticiários de emissoras tais e quais a Globo deveria ler este texto! Fica muito claro que o que há é uma vontade pré-estabelecida e nutrida por visões políticas de condenar, de atender a um suposto clamor público por justiça e fim de impunidades… Tudo em torno da AP 470, portanto, suscita desconfiança e dúvidas, e, assim sendo, os benefícios deveriam ser pró-réu, que, neste caso, e só aqui, seria culpado até que prove o contrário…
quer dizer: agora eu posso denunciar vários integrantes do stf, baseando-me na teoria do dominio do fato?
reinaldo carletti
Prezado grande Leonardo Boff
Favor descosiderar o meu comentário anteriormente enviado. Publique o abaixo enviado, caso assim concorde, Grato.
Saudações
Welinton
Ao grande Filósofo Leonardo Boff
Acredito que diante de inédito e inusitado julgamento denominado “mensalão”, homens de bem como o senhor e outros tantos mais, não podem deixar de continuar expressando os mais contundentes, urgentes e seguidos protestos pela internet e outros meios legais, sobre esse surpreendente linchamento de líderes, a céu aberto, bem ao gosto e rancor de alguns integrantes da ditadura militar. Trata-se do aniquilamento de brasileiros, que pagaram e continuam pagando, altos preços pela coragem de ajudarem a desmontar a ditadura militar, aos seus modos, expondo suas próprias vidas. Inclusive, alguns desses que estão nos bancos dos réus foram submetidos à hedionda tortura.
Pelo andar da tramitação judicial, se consagrada as esperadas sentenças finais, sem que nada de urgentemente e efetivas manifestações realizadas por homens de coragem e de grande envergadura moral e intelectual, como a do senhor, junto com a participação de conhecidas e respeitadas entidades à nível mundial, como CNBB e OAB, dente outras mais, tenho certeza que logo mais adiante, restará um sentimento de amargura por terem deixado de manifestarem de por todos os meios legais, questionando as raízes, fundamentos e origens de tamanho e impensável linchamento, sobre continuada massacrante cobertura da grande mídia, em especial, da conhecida Rede Globo.
Já passa da hora de todos aqueles que em recente passado, não se amedrontaram diante da opressão da ditadura saírem em buscas de maiores esclarecimentos, inclusive, indagando a quem interessa fulminante julgamento. Quais os reais objetivos por detrás de tudo isso? Obvio, que nunca perdendo a noção que lugar de ladrão é na cadeia. Principalmente, os poderosos. Mas, por tudo que conhecemos e já vimos de grandes coisas erradas na política, raramente punidas, e nunca com tamanha contundência, não resta duvida alguma: nada tem a ver com legítimos e honrados propósitos de dar definitivo fim à velha e conhecida roubalheira das elites. Então, o que querem?
Saudações
Welinton Naveira e Silva
Welinton,
Como já escrevi: os magistrados, fortemente pressionados por certo tipo de midia conservadora, batem no saco (os indiciados) mas pensam no animal que carrega o saco (o PT como um todo). Estimo que há uma vontade inconfessável de atingir o PT, desmoralizá-lo e impedir que chegue novamente ao poder. Se pudessem, o eliminariam da cena política. Mas isso não vão poder fazer, pois por detras do PT esstá toda a historia dos historicamente humilhados e ofendidos que conseguiram se organizar e criar um instrumento seu de luta. Membros do PT cometeaem erros e delitos que nunca neguei. Mas dai partir para a condenação de todo um partido vai longa distância. Não me parece que os magistrados se guiaram pelos princípios da completa isenção, independência e inocência dos reus, só perdida quando de forma categórica, pelas provs dos autos e não por ilações e derivações subjetivas, forem provados como culpados.
Concordo substancialmente com sua posição. Respeitamos as autoridades mas como cidadãos não podemos perder os senso crítico e perceber como os da Casa Grande se articulam para levar de volta à Senzala aqueles que dela estão se libertando.
uma abraço
lboff
E agora, mestre L. Boff, é ou não julgamento de exceção?
Em tempo, o Min. Lewandowski já tinha advertido o Plenário, durante a condenação de Dirceu, que havia distorção indevida do pensamento de Roxin. Agora, como se vê, o próprio desautorizou o Supremo.
Da Folha
Participação no comando de esquema tem de ser provada
Um dos responsáveis por teoria citada no julgamento do STF, jurista alemão diz que juiz não deve ceder a clamor popular
Daniel Marenco/Folhapress
Claus Roxin, que esteve há duas semanas em seminário de direito penal do Rio
Da Folha
Insatisfeito com a jurisprudência alemã -que até meados dos anos 1960 via como participante, e não como autor de um crime, aquele que ocupando posição de comando dava a ordem para a execução de um delito-, o jurista alemão Claus Roxin, 81, decidiu estudar o tema.
Aprimorou a teoria do domínio do fato, segundo a qual autor não é só quem executa o crime, mas quem tem o poder de decidir sua realização e faz o planejamento estratégico para que ele aconteça.
Roxin diz que essa decisão precisa ser provada, não basta que haja indícios de que ela possa ter ocorrido.
Nas últimas semanas, sua teoria foi citada por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento do mensalão. Foi um dos fundamentos usados por Joaquim Barbosa na condenação do ex-ministro José Dirceu.
“Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado”, diz Roxin. Ele esteve no Rio há duas semanas participando de seminário sobre direito penal.
Folha – O que o levou ao estudo da teoria do domínio do fato?
Claus Roxin – O que me perturbava eram os crimes do nacional socialismo. Achava que quem ocupa posição dentro de um chamado aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute um delito, tem de responder como autor e não só como partícipe, como queria a doutrina da época.
Na época, a jurisprudência alemã ignorou minha teoria. Mas conseguimos alguns êxitos. Na Argentina, o processo contra a junta militar de Videla [Jorge Rafael Videla, presidente da Junta Militar que governou o país de 1976 a 1981] aplicou a teoria, considerando culpados os comandantes da junta pelo desaparecimento de pessoas. Está no estatuto do Tribunal Penal Internacional e no equivalente ao STJ alemão, que a adotou para julgar crimes na Alemanha Oriental. A Corte Suprema do Peru também usou a teoria para julgar Fujimori [presidente entre 1990 e 2000].
É possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica?
Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.
O dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em co-responsabilidade?
A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção [“dever de saber”] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados.
A opinião pública pede punições severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?
Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública.