Há tempos atrás abri um congresso sobre a situação ecológica da Terra e proferi, fundamentalmente, este discurso. Parece-me que conserva ainda atualidade.
A humanidade se encontra numa encruzilhada: deve decidir se quer continuar a viver nesse Planeta ou se aceita caminhar ao encontro do pior.
Ela se parece com um avião na pista de rolamento. Sabemos que há um momento crítico de não retôrno no qual o piloto não pode mais frear. O avião ou levanta vôo e segue seu curso ou se arrebenta no fim da pista. Há analistas que dizem: passamos do ponto crítico, não levantamos voo e vamos encontro de uma catástrofe. Ou damos espaço a um novo paradigma civilizatório que nos poderá salvar ou enfrentaremos a escuridão como nos adverte em seus recentes livros O futuro da vida e Criação:como salvar a vida no planeta o grande biólogo da biodiversidade Edward Wilson.
Face a tal dramática situação, vigem hoje três cenários principais, cada qual com previsões próprias e diferentes.
O primeiro cenário – conservador – é dominante. Procura globalizar o modelo atual que é consumista, predador da natureza e criador de grandes desigualdades sociais. Tal é o caso do neoliberalismo mundializado que mostrou sempre parca sensibilidade ecológica e social, tolerando o agravamento das contradições internas. Face aos fantasmas surgidos após 11 de setembro de 2001, os ricos e poderosos tendem a levantar um muro de contrôle e de restrições em suas fronteiras. Buscam aplicar as tecnologias mais avançadas para garantir para si as melhores condições de vida possíveis. Além de ter sido historicamente etnocida, o sistema hegemônico pode revelar-se agora ecocida e biocida. Mas essa escolha é suicida, pois vai contra o sentido do proceso evolucionário global que sempre buscou re-ligações e cadeias de cooperação entre todos os seres para garantir a subsistência, o mais possível, de todos.
O segundo cenário – reformista – tem consciência do déficit da Terra. Mas confia ainda na sua capacidade de regeneração. Por iss mantem o paradigma vigente, consumista, predador e injusto. Não oferece uma alternativa, apenas minimiza os efeitos não desejados. Inventou o desenvolvimento sustentável, falácia do sistema do capital, para incorporar o discurso ecológico dentro de um tipo de desenvolvimento linear, predador e criador de desigualdades. Este contradiz e anula o sentido originário de sustentabilidade –categoria que vem da biologia e não da economia – que visa sempre o equilíbrio de todos os fatores e a inter-retro-dependência de todos os ecossistemas. Mas pelo menos introduz técnicas menos poluentes, evita a excessiva quimicalização dos alimentos e preocupa-se não só com a ecologia ambiental mas também com a ecologia social, buscando diminuir a pobreza, embora com políticas pobres para com os pobres. Essa solução representa apenas um paliativo, não uma alternativa à situação atual.
O terceiro cenário – transformador – apresenta uma real alternativa salvadora. Parte do caráter global da crise. O nível de interdependência é tal que ou nos salvamos todos ou corremos risco de grande dizimação de seres vivos, inclusive humanos. Os vários documentos da ONU sobre a questão revelam essa nova consciência: “há uma Terra somente”; “a preservação de um pequeno Planeta” (Estocolomo 1972); “nosso futuro comum” (Comissão Brundland 1987), a “Declaração do Rio de Janeiro”: “entendemos que a salvação do Planeta e de seus povos, de hoje e de amanhã, requer a elaboração de um novo projeto civilizatório”(1992) e enfim a Carta da Terra (2003) onde se apresentam princípios e valores para um modo de vida sustentável da Terra e da humanidade.
Esse projeto deve ser construido sinergeticamente por todos. Daí a urgência da criação de organismos globais que respondam pelos interesses globais. Importa costurar um novo pacto social mundial, no qual os sujeitos de direitos não sejam apenas os humanos mas também os seres da natureza. Quer dizer, o pacto social deve estar apoiado no pacto natural.
Eis a base para um democracia ecológico-social-planetária. Nesse tipo de democracia, tanto são cidadãos os humanos bem como os demais representantes da natureza, em permanente interdependência com os humanos e sem o s quais nós não podemos sobreviver. A democracia se abre assim para uma biocracia e cosmocracia.
Por medo e como auto-defesa não precisará mais agredir os outros e a natureza. Não obstante as contradições da condition humaine, sempre demente e sapiente, poderá viver singelamente feliz em comunhão com todos os seres, como irmãos e irmãs, em casa, ancestral sonho dos povos e de São Francisco de Assis. Só então começará o ansiado novo milênio com um outro tipo de história, de paz perene com a Mãe Terra.
Leonardo Boff participou da redação da Carta da Terra junto com M. Gorbachev, M.Strong e S.Rockfeller.
Olá, sr L. Boff, gosto muito de suas obras, pra ser sincero me baseio em seus escritos, mas ultimamente tenho tido uma duvida muito intrigante, sei q para o sr. responder a uma duvida de só mais um duvidando de alguma coisa é muito chato e uma perda de tempo… Mas na comuna do Orkut direcionado ao sr. um pergunta não quer calar;
“Normalmente leio na internet as teorias conspiratórias sobre uma Nova Ordem Mundial, onde a humanidade será dominada por uma elite econômica que imporá uma agenda ecológica, controle de natalidade, etc.
Não sou arauto dessas ideias, mas acho estranho que Gorbachev, Strong e Rockfeller tenham participado da criação do documento, justamente eles que são acusados de estarem na dianteira do fenômeno da Nova Ordem Mundial.”
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=145426&tid=5573828322803506709
Não precisa publicar nos comentários, apenas gostaria q o sr. soubesse dessa duvida, não só minha no caso…
Peço desculpa pela pergunta tão polêmica, mas é de um peso enorme pra seus seguidores fieis…
Uma coisa é certa, se existe uma conspiração, essa é feita pela economia, não pela sustentabilidade tão necessária em tempos de vidas sem limites, como nossas industriais… Basta ter a sensibilidade do q acontece ao redor…
Leonardo,
Esta assim pretendida conspiração é uma difamação divulgada por grupos fundamentalistas em politica e religião e por aqueles que não querem mudar nada.
Desde começo participei da elaboração da Carta da Terra, reunindo materiais de todo o mundo, desde grupos indigenas, negros, igrejas, religioes, cientistas e outros com a preocupação de levantar valores e principios que ajudem a civilização sair do risco de se autodestruir. O texto é de profundo sentido ético e espiritual. Não prevê governança mundial nenhuma, apenas despertar a humanidade no sentido de encontrar um modo sustentável de viver. Gorbachev era um dos que mais insistiia na dimensão espiritual. E coube a mim introduzir a ética do cuidado e da responsabilidde coletiva pelo futuro comum da Terra e da Humanidade. O resto é pura difamação e não se sustenta nem no texto da Carta da Terra e menos ainda na intenção de seus principais autores. A Unesco a aprovou em 2003 e agora estamos lutando para que a ONU a acolha, discuta e a agregue à Carta dos Direitos Humanos.
Caro Mestre, jamais acreditei q fosse real uma participação sua nesse assunto polêmico, mas olhando para o mundo dos mercados, dos comércios, em fim das industriais a duvida como uma armadilha nos deixa apreensivos e assustados, não sabendo em quem confiar…
Confio sim, na Ética do Cuidado e na Responsabilidade Coletiva, por isso sempre divulgo a Carta da Terra como instrumento de melhora nas relações humanas…
Agradeço a atenção e o tempo oferecido ao responder… É uma honra saber oq o sr. se preocupa com duvidas de simples internautas…
Abraços Fraternais