O bode expiatório: sempre eficaz nas horas de crise
Na História e em alguns mitos, René Girard viu uma repetição do recurso ao bode expiatório, ideal para momentos de crise.
Leneide Duarte-Plon é uma conhecida jornalita brasileira vivendo na França. Acompanha nossa trajetória política com um olhar de longe mas certeiro. Seus textos sempre muito bem fundados nos fazem entender melhor a crise atual. Desta vez usa a teoria do bode expiatório de René Girard, objeto de artigos meus anteriores à luz deste pensador que veio ao Brasil para fazer um seminário com teólogos e sociólogos ligados à teologia da libertação,impressionado que ficara pela ação não vingativa desse pensamento mas de libertação da vontade de dominação e de afirmação da solidariedade e da liberdade. Seu artigo escrito no dia 10/1/2019 nos reforça o que que muitos já há tempos percebiam a criação de um bode expiatório mediante estratégias de perseguição e de culpabilização do PT de todos os males de nosso país, esquecidos dos benefícios que possibilitou a milhões de pobres esquecidos de nossa história. Lboff
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O antropólogo e filósofo francês René Girard (1923-2015) estudou em sua obra mais conhecida ”La violence et le sacré” o fenômeno do bode expiatório para explicar a violência em determinados momentos da História humana.
Num rito da religião judaica narrado no livro de Levítico, na Bíblia, o sacerdote impunha as duas mãos na cabeça de um bode.
Desta forma, acreditava-se que todos os pecados cometidos pelo povo eram transferidos ao animal que, em seguida, era expulso para o deserto para purgar os erros do povo hebreu.
Na História e em alguns mitos que estudou, Girard viu uma repetição do recurso ao bode expiatório, ideal para momentos de crise.
Assim, diante da violência que se instala numa determinada sociedade primitiva, escolhe-se espontaneamente uma vítima que vai canalizar para si, como uma espécie de para-raios, todos os males do grupo. Esse bode expiatório vai recolher toda a agressividade, aliviar e transformar o ”todos contra todos” em ”todos contra um”.
Na realidade, o mecanismo do bode expiatório é baseado numa mentira coletiva que serve aos interesses da comunidade, explica Girard. Na História francesa, Alfred Dreyfus foi um exemplo de bode expiatório num processo que durou doze anos. Nele, o militar judeu acusado de traição da França foi vítima de um complô resultante do ódio que os antissemitas tinham dos judeus. Em 1906, o capitão Alfred Dreyfus foi totalmente inocentado da acusação, no processo que dividiu a França. O escritor e jornalista Émile Zola foi um dos grandes defensores de Dreyfus e seu texto ”J’accuse” é hoje um clássico.
Caça a bodes expiatórios
No Brasil, vivemos desde a reeleição de Dilma Rousseff um processo de caça a bodes expiatórios para transferir para eles todo o mal da crise econômica que o país começava a viver.
Não contentes em odiar um partido e seus eleitos, os inimigos do Partido dos Trabalhadores iniciaram uma verdadeira campanha de incitação ao ódio a tudo o que os presidentes Lula e Dilma Rousseff representaram na história recente de 2003 a 2014.
A partir do dia seguinte à reeleição de Rousseff os vencidos designaram o PT e a presidenta como bode expiatório de todos os problemas do país, que só reencontraria a paz e a redenção com a condenação deles. A escalada verbal transformou-se em violência real, no campo e nas cidades.
Impedida de governar desde sua reeleição, Dilma Rousseff foi destituída por um processo de impeachment iníquo que não conseguiu provar crimes de responsabilidade.
Desde então, o país vive uma caça a bodes expiatórios chamados de ”vermelhos”, ”comunistas”, ”petralhas” e tutti quanti. Os adversários políticos passaram a ser apontados como ”inimigos” a serem exterminados.
Restauração do regime militar
Hoje, o país está em plena restauração do regime militar por um governo eleito pelo povo (!), intoxicado durante anos por uma imprensa partidária e comprometida com os adversários do PT.
O Brasil tem atualmente mais ministros militares no poder do que no primeiro governo formado depois do golpe de 1964, como relembrou na semana passa o jornal ”Le Monde”.
Em tese, a Constituição de 1988 ainda está em vigor e o país não fez nenhum golpe.
Mas o novo governo promete uma mudança radical de mentalidade, de volta a valores de um passado idealizado como idílico ”quando os militares asseguravam segurança a todos e não havia corrupção”, como repetem os seguidores do ex-capitão Jair Messias.
Encarnado pelo irado ex-militar, o poder promete eliminar os ”inimigos” e resgatar os valores supostamente perdidos, resumidos em três palavras: família, pátria e propriedade.
Todos os brasileiros sabem que os quatro governos eleitos pelo povo e que governaram de 2003 a 2016 não ameaçaram nem a família nem a propriedade. E menos ainda a pátria, defendida por políticas fortes de afirmação da soberania do Brasil em todas as instâncias internacionais.
É justamente agora que a soberania do Brasil corre risco.
Os Estados Unidos voltaram a ter uma influência digna dos tempos da ditadura militar e causa espanto ver a bandeira brasileira nas ruas do país, estranhamente entrelaçada à dos Estados Unidos, quando não à de Israel.
Como o Brasil não tem política interna, investe no exército, dando mais previlégio aos militares, e fica inventando inimigos como Venezuela e Cuba, países que não se curvaram à política externa dos EUA.
Pra mim, parece um “avatar” dos EUA, só serve pra garantir seus interesses e , pra isso, onera os trabalhadores brasileiros, atacando seus direitos, a começar pela previdência social, problema esse que ocorreu nos países da Europa (quando sua população já estava amadurecida). Aqui, a população está em transição, com a maioria na idade adulta, portanto, na PEA (população economicamente ativa).
Hugo Chávez, expulsou as petrolíferas estrangeiras da Venezuela, deixando as consequências negativas impostas por embargos econômicos dos EUA, essa era a hora do Brasil se aproximar mais da Venezuela, junto ao Mercosul, também a China) e fortalecer o bloco regional, seria uma melhora para todos na América latina, e não precisavaria uma migração de latinos aos EUA.
A hipocrisia impera,puxa saco dos EUA, e se dizem nacionalistas, vamos pagar caro os produtos importados dos EUA, “made in China”.
“Mais fácil, apoiar o mais poderoso, e chutar o pobre oprimido”… Covardia!
Agora estamos pagando o preço pela ignorância de um governo “eleito pelo povo”.
Gracias por ser siempre luz, especialmente en estos tiempos en que las tinieblas son tan oscuras. Que Dios lo bendiga siempre Leonardo. A usted y su comunidad
sempre ottimo
Republicou isso em Paulosisinno's Bloge comentado:
Compartilhando artigo publicado na página do L. Boff, com a sua introdução.
O bode expiatório: sempre eficaz nas horas de crise
Na História e em alguns mitos, René Girard viu uma repetição do recurso ao bode expiatório, ideal para momentos de crise.
Leneide Duarte-Plon é uma conhecida jornalista brasileira vivendo na França. Acompanha nossa trajetória política com um olhar de longe mas certeiro. Seus textos sempre muito bem fundados nos fazem entender melhor a crise atual. Desta vez usa a teoria do bode expiatório de René Girard, objeto de artigos meus anteriores à luz deste pensador que veio ao Brasil para fazer um seminário com teólogos e sociólogos ligados à teologia da libertação,impressionado que ficara pela ação não vingativa desse pensamento mas de libertação da vontade de dominação e de afirmação da solidariedade e da liberdade. Seu artigo escrito no dia 10/1/2019 nos reforça o que que muitos já há tempos percebiam a criação de um bode expiatório mediante estratégias de perseguição e de culpabilização do PT de todos os males de nosso país, esquecidos dos benefícios que possibilitou a milhões de pobres esquecidos de nossa história. (L. Boff)