Esta reflexão foi motivada pelo discurso do ex-presidente Lula encerrando a abertura do 6º Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores no dia 1º de junho de 2017 em Brasília. Faço-o como observador interessado no projeto social que o PT em parte realizou nos anos de seu governo. Não sou filiado ao partido, pois, estimo que partido é sempre parte e tarefa do intelectual-pensador é tentar pensar o Todo e menos ocupar-se das partes que sempre são muitas, não raro, contraditórias.
Três pontos me chamaram particularmente a atenção.
O primeiro deles é o caráter de classe do partido. Está no seu nome Partido do Trabalhadores. Quer dizer, propõe-se representar as grandes maiorias do país compostas pela classe dos trabalhadores do campo e da cidade, aqueles que dentro do sistema do capital vivem de salários (venda de sua força de trabalho manual ou intelectual). Isto não significa que se feche somente a estas grandes maiorias. É aberto a todos os que assumem a democracia e as principais demandas dos trabalhadores que é ter trabalho, ganhar um salário decente, trabalhar em condições adequadas, lutar pela justiça social para diminuir o perverso fosso das desigualdades sociais e poder organizar-se em sindicatos para melhor defender seus direitos e ter mais força na negociação com os donos do capital.
Lula enfatizou o caráter nacional do PT. Em sua grande maioria, os partidos no Brasil têm sua base nos estados da federação e representam as forças hegemônicas locais. Pensam mais o regional e menos o nacional. O PT nasceu pensando o nacional, vale dizer, o Brasil como projeto de nação soberana, autônoma que rompeu com o substrato escravocrata, colonial, neocolonial e dependente das grandes potências que hegemonizam o curso do mundo. O PT desenvolveu a consciência de que temos uma base ecológica, geopolítica, econômica, populacional e cultural que nos concede elaborar um projeto próprio de nação soberana que, junto com as demais nações, ajuda a definir os rumos incertos da humanidade, agora numa fase nova de sua história, a fase da planetização, fase de certa forma dramática por causa do aquecimento global e do grito da Terra super-explorada pelo nosso modo de produção depredador e de consumo perdulário, de bens e seviços naturais. O futuro de nossa espécie e de nossa civilização está em jogo.
Lula enfatizou que o PT é o primeiro partido de caráter nacional e que se propõe a pensar o país como um todo e no interesse de todos, a partir dos interesses das grandes maiorias historicamente penalizadas. Cabe reconhecer, como o mostraram nossos historiadores, dando relevância a José Honório Rodrigues e a Raymundo Faoro: os partidos dominantes pensaram um Brasil menor, buscando primariamente seus interesses e não o interesse comum do todo o povo brasileiro. Nunca houve um projeto que incluise os milhões de excluidos, marginalizados e considerados, pela classe dominante, herdeira da mentalidade da Casa Grande, como jeca-tatus, que “lhes negou direitos, arrasou sua vida e logo que os viu crescer lhes negou, pouco a pouco, sua aprovação, conspirou para colocá-los de novo na periferia, no lugar que continua achando que lhes pertence”(Rodrigues, Conciliação e Reforma no Brasil, 1965, p. 14-15). Não está se repetindo esta tragédia com as atuais medidas do atual “governo”, de uma forma ainda mais radical, desmontando, uma a uma, as conquistas de anos de trabalho politico e social?
O segundo ponto é de grande relevância ética e política. Trata-se do núcleo central do projeto politico do PT: dar centralidade aos humildes da Terra. Ao falar do projeto que deve ser novamente pensado, incrementado e consolidado no Congresso não começou com a ideia arrogante do Brasil grande, potência industrial e campeã na exportação de commodities. Começou com os hmildes daTerra: com os indígenas a quem devemos preservar e devolver as terras invadidas pelo agronegócio; começou com os quilombolas a quem devemos reconhecimento por sua luta de subsistência, por suas terras e vilas; começou pelos negros que, aos milhões, foram feitos “peças”, carvão para queimar nas usinas de produção; voltar-se para a África não é apenas para pagar uma dívida histórica impagável, mas praticar a solidariedade para que ela possa melhorar as condições de vida de suas populações com aquilo que nossas instituições científicas ligadas à agricultura produziram com alta qualidade; começou pelas mulheres ainda discriminadas pelo patriarcalismo, apesar de toda a sua contribuição dada ao desenvolvimento do país; começou pelos Sem Terra e sem Teto que buscam terra para trabalhar, produzir e viver com uma democracia levada ao campo e às periferias; começou com os catadores de material reciclável que sempre apoiou (e se comeveu ao lembrá-los), liberando alguns milhoes de reais para que melhorassem suas condições de trabalho; começou com os LGBT que trabalham, votam, pagam impostos e muitos são assassinados; começou com os trabalhadores em geral, obrigados a aceitar baixos salários para permitir uma maior acumulação das oligarquias que controlam grande parte de nossa economia; por fim, começou por dizer que devemos incluir os empresários, pequenos, médios e grandes que criam empregos e produzem e que devem sentir sua responsabilidade na construção de uma nação mais justa e igualitária. Todos devemos convergir para esse sonho coletivo.
Qual o significado deste tipo de discurso? É dar primazia à pessoa humana. Essa opção revela a inegável dimensão ética da política, que já para Aristóteles ética e política eram sinônimos. Governar não é administrar a economia, controlada pelo mercado, mas cuidar do povo, da qualidade de sua vida e de sua alta dignidade. Gandhi dizia que política é um gesto amoroso para com o povo, o cuidado para com a coisa comum. Isso foi proposto como o núcleo essencial de um projeto politico a ser concretizado pelo PT e seus aliados.
Mas isso dificilmnente se consegue, enfatizou o ex-presidente – esse é o terceiro ponto – se não houver educação generalizada. Proferiu os maiores elogios à importância decisiva da educação para gestar um país soberano e moderno. Daí as muitas iniciativas que os governos do PT inauguraram para permitir que os pobres, negros e marginalizados fizessem cursos de professionalização e pudessem ingressar nas universidades.
Por fim, conclamou a todos para serem criativos. Não se trata de repetir o que já foi feito, mas de reinventar novas formas de fazer política social com participação popular, aproveitando as boas experiências realizadas e projetar novas que visem mais inclusão, mais cidadania e e mais dignificação da vida humana.
Por ultimo, fez apelo da importância política da esperança. Quem alimenta esperança não aceita indignado as iniquidades sociais, dispõe-se a lutar para a projeção de um novo horizonte; a esperança deslancha energias escondidas que podem criar nova paisagem e dar a vitória. A esperança é o motor da história e das mudanças.
Se o PT chegar novamente ao governo central, pelo voto popular e por vontade da maioria da população é para encontrar uma saída para a crise, já que as classes dominantes que se apoderaram do poder, estão perdidas em sua voracidade de acumulação à revelia da grande maioria dos cidadãos e, atônitas, não sabem encontrar uma superação promissora da crise em que todos estamos metidos. As principais vítimas são os historicamente sofredores aos quais não nos é permitido impor-lhes cargas ainda mais pesadas do que aquelas que já carregam. Seria demasiada desumanidade. Mas é isso que estamos verificando com as medidas desastradas da atual administração.
Um PT renovado e purificado de seus erros, defeitos e limitações, pode propor-se à sociedade como um partido que pode nos desanuviar o horizonte e oferecer-se como um caminho político de um desenvolvimento sustentável porque mais participativo e justo onde, no dizer de Paulo Freire, não seja tão difícil o amor.
Leonardo Boff é teólogo, filósofo, escritor e articulista do JB online e escreveu “A casa comum, a espiritualidade e o amor” Paulinas 2017.
Republicou isso em Paulosisinno's Bloge comentado:
Mais uma relevante reflexão do Leonardo Boff: “Esta reflexão foi motivada pelo discurso do ex-presidente Lula encerrando a abertura do 6º Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores no dia 1º de junho de 2017 em Brasília. Faço-o como observador interessado no projeto social que o PT em parte realizou nos anos de seu governo. Não sou filiado ao partido, pois estimo que partido é sempre parte e tarefa do intelectual-pensador é tentar pensar o Todo e menos ocupar-se das partes que sempre são muitas, não raro, contraditórias.
Três pontos me chamaram particularmente a atenção.”
(Continua; clique no linque para continuar lendo)
VERMELHO-PRETO QUE CORRE NAS VEIAS
O SANGUE VERMELHO DO HOMEM PRETO É O MESMO SANGUE VERMELHO DO HOMEM BRANCO. O TECIDO VERMELHO DO HOMEM BRANCO É O MESMO TECIDO
VERMELHO DO HOMEM PRETO. O HOMEM VERMELHO TEM SANGUE VERMELHO E TECIDO VERMELHO. O FERRO QUE CORRE NAS VEIAS É VERMELHO E PRETO.
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Os Fenícios foram chamados HOMENS VERMELHOS na Idade Média quando comercializavam no Mediterrâneo e vestiam tecidos vermelhos tingidos com o vermelho originário do pau-brasil. Muitas bandeiras nacionais trazem
a cor vermelha. Também algumas bandeiras estaduais e a bandeira petista. São bandeiras distintas e sem concorrências. A bandeira do PT não concorre com a bandeira do Brasil. O pensamento político não se resume a ideologia.
O ser humano pode se aposentar do EMPREGO, mas nunca se aposenta do TRABALHO. Todos precisam SUAR os tecidos. Molhar a camisa e seguir em frente. O sol, chuva
e o pão nosso de cada dia vem para todos filhos do altissimo, justos e injustos. Assim a melodia que circula pelo uni- verso e traz alegria aos corações. O perfume e beleza das
flores. A companhia das aves e animais das florestas e dos campos. Toda criação que se junta à pomba do Espírito de Deus. Santo. Maravilhoso. Pai da eternidade.Amor.Bondade.
Um PT renovado. Concordamos plenamente, inclusive com toda a argumentação de L.Boff. Obrigado pelas luzes que o senhor nos dá quando estamos confusos.
Querido Boff, como o Sr. mesmo ensina não há razão de viver sem utopias, afirmação com a qual estou de pleno acordo. Sem imaginarmos que dia após dia iremos conquistar um pequeno pedaço de oportunidade para no final esvaziar o flagelo da pobreza, da opressão, da indignidade com que vivem a maioria dos seres humanos, não podemos entender o significado de esperança. Como o Senhor, nunca fui partidário de nenhum partido político, mas fui encantado com os ideais de Brizola e Darcy Ribeiro, fui e sou encantado com a ascensão e exercício do poder pelo povo, traduzida na chegada de Lula ao poder central, fui e sou entusiasta das modificações implementadas por um Presidente nascido das bases, seus programas sociais, com reflexos em vários outras áreas, como a alegria da popularização do transporte aéreo, que representou muito mais que um simples acesso a um mundo estranho. Não consigo representar que o PT possa a vir reinventar uma nova era diante dos seus quadros que em boa parte não estão comprometidos com ideais originários e mais ainda, porque a oligarquia, a plutocracia e os homens da “lei”, todos integrantes de uma elite sem empatia com desejos e anseios da maioria virão com mais força para garantir suas posições, custe o que custar, mesmo a democracia, como foi o caso do golpe jurídico hoje mais nítido que nunca.
Suas palavras são fortes, otimistas e verdadeiras, encantadoras tal qual as palavras de Darcy Ribeiro, por isso as acompanho com atenção, mas temo a volta de Lula, não por Lula, pelo PT, distante e dissociado das bases de onde nasceu, cresceu e lutou.
Estive num evento meses atrás na Tijuca, o Sr. e lideranças políticas do PT estavam lá, a bandeira era algo do tipo MUDA PT para MUDAR O BRASIL.
Fui ao evento mais porque sabia que o Sr. estava lá e não podia perder a oportunidade de ouvir palavras sinceras e acalentadoras. Os demais não me pareciam firmes e verdadeiros representantes do povo, talvez Wadih Damous venha a ser uma esperança de liderança, não sei.
Me fortaleço muito ao ouvir também Frei Beto, uma figura que falta palavras para qualificá-lo, mesmo assim sigo abraçado à esperança mas descrente com as propostas que aí estão.
Felicidades!!!
Um dos maiores erros do PT foi afastar-se da sua base, esquecendo-se da sua origem: movimentos, sindicatos combativos, Igreja.
Não valorizou os canais participativos que abriu e, ao priorizar a participação no calendário eleitoral, em detrimento da organização popular, acabou fazendo alianças espúrias, abriu portas para oportunistas, dando tiros no proprio pé.Isto, entre outras coisas que não cabem falar aqui…
Compartilho suas esperanças, meu irmão. Veja a gravidade de nosso tempo. Pelos comentários vemos que alguns conjugam as palavras “cristão”, “Cristo”, com um sentimento de ódio no coração
Leonardo Boff, é desolador o quadro atual em que uma facção golpista manipula todos poderes. Fico a imaginar: como pide, milhões de brasileiros, saber, sentir e aceitar passivamente esse desmonte da nação brasileira, transformando-a numa republiqueta de miseráveis. Os golpista, canalhas, não assistirão no futuro próximo, a penúria do POVO brasileiro, mas deixarão para seus descentes fortunas que lhes permitirão viverem, por diversas gerações como bilhonarios em qualquer parte do mundo. E nossa geração será conhecida como a mais covarde desse país, pois deixou-me subjugar pela falência de todos poderes, executivo, legislativo e judiciário, além do midiático e militar: todos GOLPISTAS.
Não podemos e bem devemos aceitar o desmonte da nação brasileira como vem ocorrendo!
Parabéns pela sua reflexão sobre o caminho e atuação do PT, o que muitas vezes é ignorada pela grande massa da população que só tem acesso a jornais “Nacional”. (PS. Não sou filiado ao PT, mas, sim, sensível às causas sociais e defendidas pela esquerda).
Desculpem erros acima, digitei do celular e não consegui revisar!
Excelente artigo, para refletir e tomar conciencia da importância da participação partidária.
Que pena, um pensador, que ainda enaltece o discurso , de alguem , como o Lula, que sem dúvida tem o dom do hipnotismo com o uso das palavras, mas que se perdeu , diante do poder e se vendeu.