A humanidade, especialmente, sob o patriarcado, conheceu conflitos de toda ordem. A forma predominante de resolvê-los foi e é a utilização da violência, para dobrar o outro e enquadrá-lo numa determinada ordem. Esse é o pior dos caminhos, pois deixa nos vencidos um rastro de amargura, humilhação e de vontade de vingança. Estes sentimentos suscitam uma espiral da violência que hoje ganha especialmente a forma de terrorismo, expressão da vingança dos humilhados. Será esta o única forma de os seres humanos resolverem suas contendas?
Houve alguém que se considerava “um louco de Deus”(pazzus Dei), Francisco de Assis que poderia ser também o atual Francisco de Roma que perseguiu outro caminho. O anterior era o de ganha-perde. Este último, o ganha-ganha, esvaziando as bases para o espírito belicoso. Tomemos exemplos da prática de Francisco de Assis. Sua saudação usual era desejar a todos: “paz e bem”. Pedia aos seguidores:”Todo aquele que se aproximar, seja amigo ou inimigo, ladrão ou bandido, recebam-no com bondade”(Regra não bulada,7).
Consideremos a estratégia de Francisco face à violência. Tomemos duas legendas, que, como legendas, guardam o espírito melhor que a letra dos fatos: os ladrões do Borgo San Sepolcro e o lobo de Gubbio (Fioretti, c. 21).
Um bando de ladrões se escondiam nos bosques e saqueavam a redondeza e os transeuntes. Movidos pela fome foram ao eremitério dos frades para pedir comida. São atendidos mas não sem remorços destes:”Não é justo que demos esmola a esta casta de ladrões que tanto mal faz neste mundo”. Apresentam a questão a Francisco. Este sugeriu a seguinte estratégia: levar ao bosque pão e vinho e gritar-lhes:”Irmãos ladrões, vinde cá; somos irmãos e lhes trouxemos pão e vinho. Felizes, comem e bebem. Em seguida falem-lhe de Deus; mas não lhes peçam que abandonem a vida que levam porque seria pedir demais; apenas peçam que ao assaltar, não façam mal às pessoas. Numa outra vez, aconselha Francisco, levem coisa melhor: queijo e ovos. Mais felizes ainda os ladrões se refestelam. Mas ouvem a exortação dos frades: “larguem esta vida de fome e sofrimento; deixem de roubar; convertam-se ao trabalho que o bom Deus vai providenciar o necessário para o corpo e para a alma”. Os ladrões, comovidos por tanta bondade, deixam aquela vida e alguns até se fizeram frades.
Aqui se renuncia ao dedo em riste acusando e condenando em nome da aproximação calorosa e da confiança na energia escondida neles de ser outra coisa que ladrões. Supera-se todo maniqueismo que distribui a bondade de um lado e a maldade do outro. Na verdade, em cada um se esconde um possível ladrão e um possível frade. Com terno afeto se pode resgatar o frade escondido dentro do ladrão. E ocorreu.
Claramente aparece esta estratégia da renúncia da violência na legenda do lobo de Gubbio que atacava a população da pequena cidade. Supera-se de novo a esquematização: de um lado o “lobo grandíssimo, terrível e feroz” e do outro o povo bom, cheio de medo e armado. Dois atores se enfrentam cuja única relação é a violência e a destruição mútua. A estratégia de Francisco não é buscar uma trégua ou um equilíbrio de forças sob a égide do medo. Nem toma partido de um lado ou de outro, num falso farisaismo: “mau é o outro, não eu, e por isso deve ser destruído”. Ninguém se pergunta se dentro de cada um não pode se esconder um lobo mau e e ao mesmo tempo um bom cidadão?
O caminho de Francisco é desocultar esta união dos opostos e aproximar a ambos para que possam fazer um pacto de paz. Vai ao lobo e lhe diz:”irmão lobo, és homicida péssimo e mereces a forca; mas também reconheço que é pela fome que fazes tanto mal. Vamos fazer um pacto: a população vai te alimentar e tu deixarás de ameaçá-la”. Em seguida se dirige à população e lhes prega:”voltem-se para Deus, deixem de pecar.
Garantam alimento suficiente ao lobo e assim Deus os livrará dos castigos eternos e do lobo mau”. Diz a legenda que a cidadezinha mudou de hábitos, decidiu alimentar o lobo e este passeava entre todos, como se fosse um manso cidadão.
Houve intérpretes que leram essa legenda como uma metáfora da luta de classes. Pode ser. O fato é que a paz consequida não foi a vitória de um dos lados, mas a superação dos lados e dos partidos. Cada um cedeu, verificou-se o ganha-ganha e irrompeu a paz que não existe em si, mas que é fruto de uma construção coletiva entre os cidadãos e o lobo.
Conclusão: Francisco não acirrou as contradições nem remexeu a dimensão sombria onde se acoitam os ódios. Confiou na capacidade humanizadora da bondade, do diálogo e da mutua confiança. Não foi um ingênuo. Sabia que vivemos na “regio dissimilitudinis”, no mundo das desigualdades (Fioretti c. 37). Mas não se resignou a esta situação decadente. Intuía que para além da amargura, vigora no fundo de cada criatura uma bondade ignorada a ser resgatada. E o foi.
Chegará o dia em que os seres humanos assumirão a inteligência cordial e espiritual, cuja base biológica, os novos neurólogos identificaram e que completa a razão intelectual que divide e atomiza. Então teremos inaugurado o reino da paz e da concórdia. O lobo seguirá lobo mas não ameaçará mais ninguém.
Leonardo Boff escreveu Francisco de Assis: ternura e vigor, Vozes 2000.
Republicou isso em coração filosofante.
O pacifismo algumas vezes é desculpa para a omissão. Vide o caso da Alemanha nazista. Os demais países, fartos da guerra, evitavam se meter, faziam vista grossa para as evidentes intenções belicosas de Hitler (sugiro que leia o excelente “No Jardim das Feras”, do jornalista americano Erik Larson, baseado nos diãrios do embaixador Dodd, que presenciou de perto, em Berlim, a escalada da violência, de 1933 a 37). Stalin, querendo ser esperto, até assinou um pacto de não agressão. Ninguém falava grosso com Hitler – os pacifistas britânicos, especialmente, pressionavam seu governo. Você, com certeza, estaria aliado deles…
Deu no que deu.
Faço um paralelo com o “Estado Islâmico”: são um bando de bárbaros sanguinários que não hesitam em eliminar quem se oponha ao objetivo da criação do novo califado. Quantas minorias já foram suas vítimas! Você proporia dialogar com o E.I.? Faça então como São Francisco e vá ao covil do lobo, queria ver…
Ingenuidade tem limites!
Concordo. Tudo tem limite.
Francisco também este entre os muçulmanos, a pacifismo dele não era omissão e sim profético
.
Prezado Leonardo, oportunos seus comentários sobre a vivência do conflito. Realmente Francisco de Assis, Francisco de Roma, Luther King Junior, Mahtma Gandhi, Jesus Cristo têm posições muitos parecidas, semelhantes e até idênticas em se tratando da vivência dos conflitos.
Sinto em mim mesmo e vejo que não estou só, as pessoas não queremos viver estas situações de conflito e optamos pelo “deixa prá lá”, pela omissão. Que fazer, uma vez que não consiguimos imitar estes luminares?
Muito bom e atual o artigo, precisamos paz y bem no mundo todo.
“Entra em acordo com teu adversário enquanto estás a caminho…”. A mensagem pacificadora é oportuna e necessária. No meio do caminho tem pedras, espinhos e víboras. A ÉTICA DE SEGUIMENTO é remédio amargo, mas aliviador e a cruz deve ser tomada a cada dia no SEGUIMENTO DE CRISTO.
“Onde houver ódio, que eu leve o Amor”
Além disto:
Senhor, fazei-me instrumento de uma nova política.
Onde houver politicagem, que eu leve a Política.
Onde houver impunidade, que eu leve o respeito à lei.
Onde houver corrupção, que eu leve a honestidade.
Onde houver destruição da natureza, que eu leve educação ecológica.
Onde houver racismo, que eu leve fraternidade.
Onde houver machismo, que eu leve a igualdade.
Onde houver consumismo, que eu leve vida sóbria e austeridade.
Onde houver fome, que eu leve a reforma agrária.
Onde houver desemprego, que eu leve a dignidade do trabalho.
Onde houver doença, que eu leve saúde e saneamento.
Onde houver analfabetismo, que eu leve educação libertadora.
Onde houver favelas, que eu leve moradia.
Ó, Mestre, fazei que eu procure sempre colocar a Ética na Política. Que eu procure sempre lutar contra os velhos hábitos do autoritarismo, da busca de privilégios, do enriquecimento fácil, de fazer carreira, de usar o povo em vez de servi-lo, pois é doando-se, servindo, repartindo, promovendo os direitos de todos, sobretudo dos excluídos, que se constrói a verdadeira Democracia, sinal e começo do Teu Reino.
Amém.
Lázaro, bela atualização da mensagem de São Francisco. Parabéns. lboff
Texto desconcertante, sr. Boff. Não por um teor impactante, mas pela simploriedade com que se apresentam as relações sociais em sua visão. Pela primeira vez, ao ler teu texto, o senti aquém de vossa sensibilidade proverbial. Peço licença para lhe fazer, portanto uma singela pergunta: tais conselhos foram dados à Presidenta Dilma? Se o foram, me coloco ansioso para que obtenha o resultado esperado. Até o momento, fazer homenagens aos Marinho, sublimar vilipêndios mil, dar pão aos cachorros do parlamento, levar queijo e ovos aos ruralistas, têm se mostrado uma estratégia, senão suicida, ao menos assassina (da vida e da esperança alheias). O lobo sevado a pão de ló já mordeu a mão de seus donos há um bom tempo. E bom cão de guarda está ainda, de cabeça baixa, abanando o rabo e chorrando de fome sem poder sequer entrar na cozinha. Reze, por favor, pra São Francisco de Assis. Reze muito. Tanto quanto a tua fé permitir. Se isto não der certo, é bem provável que os cães de guarda queiram disputar a carcaça do dono com o lobo. E são Francisco, coitado, estará desmoralizado.
Não se dá o pão dos filhos aos cachorros, nem pérolas aos porcos. E como disse o Mestre: “Eu não são bom!!! Bom é Deus”. Talvez, porque só Ele em sua perfeição e onipotência, esteja protegido da traição humana. Se nem o Cristo se atreveu a igualá-lo, por que faria Francisco, o de Assis e o argentino? “Peça e receberá”. Portanto, se faz necessário pedir. E se te tomarem, entregue tudo que tem e seja ao algoz nada mais que um ser desinteressante, sem nada a ser tomado. Esta é a melhor maneira de entregar o injusto à própria sorte. Depender de si é o maior castigo para os que só sabem tomar e nada produzem. Quem sempre teve pouco, viverá com pouco. Quem sempre teve muito, prefere matar-se a ter menos do que acha que merece. E quem acha que merece muito, quase nunca acredita no próprio esforço, ou não cultivou nada que possa ser colhido por si. Eis a razão do uso da força. Mas esta é inútil, quando não há o que tomar. É aí que surgem o perdão do humilhado e o arrependimento de quem humilha. É isto que nos torna dignos de merecer o Reino. É neste momento que podemos acolher como irmãos os que nos agridem. É neste momento que nos diferimos dos lobos, dos ladrões, dos impiedosos. Antes disto, dar esperando amolecer o coração do outro, bem… Duvido que funcionasse até na Idade Média.
Meus respeitos.
Vc deve pensar melhor as coisas. Não captou a mensagem central que se encontra em Jesus, en Gandhi,em Leon Tostoi, em Luther King Jr, em Helder Câmara e outros pacifistas. Violência não se resolve com violêcia mas com compixão, capacidade de se autotranscender e perdoar, dar e receber perdão.lboff
Com sua licença novamente, mas em nenhum momento apregoei devolver violência com violência, sr. Boff. Apenas, dar a César o que é de César e esperar que ele se afunde por sua soberba e por sua premissa equivocada. Não quis me alongar em citações, mas lembrei-me da parábola do filho pródigo. Seria condescendência do pai, com o peso de sua autoridade, antever as consequências dos atos de seu filho e proibi-lo de errar. Contudo, preferiu atender as exigências do filho. O resultado o senhor sabe melhor do que eu. Nós, enquanto seres humanos e, como o senhor mesmo colocou, submissos ao mundo das desigualdades, poderíamos esperar maior aguerrimento, por exemplo, dos migrantes sírios na defesa de seu país e de sua liberdade. As razões para não cometermos tal ato de insensibilidade quanto aos refugiados são evidentes: a fraqueza dos que são violentados e a dureza de seus agressores. Na minha opinião, quando se entrega o opressor a si mesmo, estes não terminam de outra maneira senão como Sadam Hussem. Não considero isto como crueldade, muito menos como violência da parte do oprimido. O povo sírio faz muito bem em abandonar o território onde moram. No caso de Dilma, por outro lado, tentar adiar as agressões ou ao menso minimizá-las, é fazer o jogo dos que a querem fora do Governo. Francamente, sr. Boff, eu discordo que ao ceder à coação dos lobos, tenha-se chegado a um termo mais adequado. Até porque, no caso do governo Dilma, o alimento dado aos lobos que a oprimem saem do prato do brasileiro. Com todo respeito, a analogia com a história do lobo feita pelo senhor me pareceu insuficiente e ambígua. Considerando, lógico que sua análise se debruça sobre um conceito e não sobre fatos. Questiono sua aplicabilidade em determinados contextos e, por conseguinte, os princípios os quais o senhor defende no texto.
O “intuir para além da amargura” não ficou claro pra mim. A não ser a renúncia à violência, embora, da forma como foi apresentada, sustentada na relação lobo/homem, me pareceu de uma ingenuidade irrecusável.
Proponho outra abordagem: a de que tais premissas funcionem com lobos famintos, ávidos unicamente por sobrevivência e envolvidos por sua natureza predatória em relação a uma outra espécie, cuja natureza pensante e, sobretudo, afetiva, permitiu-lhe tomar as rédeas dos fatos e buscar a solução adequada, a saber, a domesticação da fera e sua integração ao grupo. Aí sim, poderíamos conceber alguma analogia com o tema da violência: o da racionalidade. Este seria o limite pra mim.
Para além deste limite, portanto, a resposta mais adequada no meu entendimento, é a da ruptura radical com a estrutura que justifica o uso da força, embasada na possibilidade de submissão dos mais fracos aos mecanismos de coação do opressor. Parece-me que até o pensamento esquerdista esqueceu-se do princípio que justifica uma greve e a eficácia em se assumir os riscos de, simplesmente, dizer não!
No caso de homens – não de lobos – o opressor não é fera. Ao contrário! Ele raciocina bem e sabe o que faz (sabe e gosta!), extrapolando os limites da mera necessidade. Se há algum bicho a ser evocado, este é a lebre. E esta se encaixa muito bem à figura do oprimido medroso que se junta em bando, na esperança de que a presa da vez não seja ele. Como feras racionais, aqueles que usam a força sabem muito bem manipular os instintos mais profundos de medo e autopreservação de seu objeto de prazer e usurpação. Entender tais mecanismos e negar-se a entrar neste jogo injusto e maléfico é só o primeiro passo para a mudança. Ninguém consegue ser fera quando a presa, sendo da mesma espécie, olha nos olhos sem medo.
A propósito, o senhor citou tantos pacifistas de renome… qual deles cedeu às premissas de seus opressores ou tomou referências destes como ponto de partida?
Republicou isso em luveredas.
Muito pertinente e adequado no momento brasileiro.
Verdade os seres humanos destroem suas raças
Violentamente mutila sua essência,e o estimulo a violência são os programas sensacionalistas que propaga o medo e o Homem com medo arma-se cria os colocando como defesa tornando super homens incapazes de conversarem e matam impiedosamente seu semelhante sem pensar no perdão
🙂 Ótimo! As pessoas às vezes se apressam demais em julgar ao invés de acolher e amar. Cada um tem seus limites e deve respeitar isso, mas deve acolher, ouvir. Uma pessoa precisa entender o que procura e porque, senão não vai mais além (embora às vezes seja impossível uma compreensão total, é preciso sabedoria e paciência, além de seguir a intuição verdadeira). A educação é fundamental, de forma completa, e as oportunidades também são fundamentais. A inclusão e respeito é fundamental para conscientizar, sempre!
A coisa mais difícil para nós humanos é dar o perdão. Relevar. O texto é obviamente uma tentativa, como que uma rede lançada, para dar uma trégua, um voto de apoio ao atual governo.
Confesso que como adepto da espiritualidade franciscana sinto-me tentado.
Mas …. Não!
O PT traiu todos.
Fez o que fez, ajudou os pobres, porém de modo absolutamente irresponsável.
Quebrou o país.
O lobo de Gubbio e os ladrões não tem de quem roubar. O PT já roubou.
Que seja assim. A nação tem que aprender. Não existe almoço grátis. Alguém paga a conta.
O plantio do futuro de Paz,apresentado e desejado por todos, ocorrerá durante as aulas, onde as crianças aprendam, não de modo ideológico ou focando interesses de grupos, mas onde se apresentem os cenários como são e onde a proposta de São Francisco sobressaia naturalmente.
Por hora, é grilhões para os traidores, como bem o fez um dos fundadores (amargurado) Hélio Bicudo.
Não há perdão para o compadrio e a incompetência unilateral. Não há tréguas para o uso público unilateral e criminoso da maquina do poder.
Esses lobos só democraticamente detonando … especialmente até chegar no 9 dedos, fonte primária do golpe que está sendo revelado em doses homeopáticas. .
Nesses dias de corrupções e arrastões, as legendas me parecem oportunas e inteligentes, pois fazem importantes alertas quanto ao comportamento a seguir diante de situações graves, onde, via de regra, a “pulsão de morte” ganha destaque na consciência de uma multidão assustada e com medo. Nelas (nas legendas) são destacadas as estratégias de Francisco em não alimentar o ódio e a força, em confiar na “capacidade humanizadora da bondade” e, em não se imaginar superior aos “ladrões”. E isso não é ingenuidade. Afinal, o que é um “linchamento” senão um ato criminoso onde “homens de bem” se transmutam em “ladrões ou lobos”? Além disso, a “legenda dos ladrões” sugere trabalho contínuo e amistoso para desarmar o coração dos malfeitores, o que, novamente, não sugere ingenuidade, mas fraternidade – desafio de nossa existência, manifestação maior de nossa fé, consciente ou não.
Olhando as críticas feitas a esta publicação, eu acho que no fundo há um erro de interpretação semelhante ao que nos ocidentais cometemos explicar o simbolo yng-yang. Geralmente dizemos que a parte branca é o bem e a preta o mal, a bolinha branca na parte preta seria o bem que há no mal,e vice vice versa. Ma pelo muito do pouco que sei, o mais correto seria dizer que um é puxa o outro empurra, um é sol o outro é lua, um é animus o outro anima. O mal não é a parte preta mas a separação da esfera, com essas forças complementares começam a competir. Se por um lado o ladrões pecam contra o sétimo mandamento, furtando. os monges que os criticavam pecavam contra o quinto, matando seus irmãos através de palavras. Os ladrões não são os malvados, e os freis os bonzinhos. Ambos são forças distintas de sociedade que devem encontrar, digamos, o equilíbrio junto do seu oposto-complementar. Pois afinal de contas são muitos freis verdadeiros ladrões, e muitos ladrões verdadeiros irmãos ( em casos dos poderosos, em casos pobres)?
O Mario tem toda razão, a “Esquerda” brasileira revelou-se amadora, populista e muito mais facilmente corrompível do que se poderia imaginar. O operário iletrado se deslumbrou com as benesses do poder e – se não foi conivente com a roubalheira ( e aí não me refiro aos pequenos malfeitos “normais” não. Refiro-me a bandidagem graúda!), tudo indica que foi omisso. O “guerreiro do povo brasileiro” foi com tanta sede ao pote que acabou abandonado à própria sorte pelos companheiros.
Sem dúvida houve uma política efetiva de alívio da miséria, de ascenção da classe C, mas aplicada de forma amadora, insustentável, à base de créditos consignados e isenção fiscal. Quer exemplo mais notório de incompetência e imediatismo do que os sucessivos incentivos à indústria automobilística, em detrimento de investimentos pesados no transporte público e em infraestrutura de modo geral. E – last but not the least – o favorecimento do setor bancário. Este, inclusive, alardeado pelo próprio presidente doidivana, que vivia repetindo (em tom de piada, embora isso não tenha a menor graça): “- Nunca dantes, na história deste país, os banqueiros tiveram tantos lucros!”
Claro que, mais cedo ou mais tarde, o tsunami ia chegar, a arrastar tudo de roldão.
Bonita reflexão sobre o pacto da paz.Um abraço, Isabel
Senhor Boff,
Como admirador de sua inteligência, fé e intelecto, sempre fico confuso ao ver um artigo seu ser criticado.
Sem querer entrar na polêmica atrevo-me a tentar fazer uma, ousada, proposta: creio firmemente que todos, invariavelmente têm razão. Um pouquinho de lógica matemática vai provar que, se todos têm razão, ela obrigatoriamente tem que ser algo relativo, parcial.
Deus, em sua infinita peraltice, nos deu uma linda casa para morarmos, o planeta Terra, mas nos obrigou a dividi-la com irmãos que nos parecem inimigos mortais. Não conheço nação, empresa ou família onde isso não seja verdade.
Somos mais de 6 bilhões de seres no planeta e muito raramente, muito mesmo, aparecem por aqui, sabe-se lá como, seres superiores que parecem estar anos luz a nossa frente, no polo superior da evolução, onde a maioria de nós parece estar mais perto dos chimpanzés, não que eu entenda isso como demérito.
Talvez por isso, quando o senhor cita esses avatares como modelos a serem seguidos, muitos de nós não consigam acreditar que sejamos capazes de seguir esses ensinamentos, ou melhor ainda, esses exemplos. Exemplos que todos dizem acreditar, cada um segundo a sua tradição religiosa, mas que na vivência real do dia a dia não são aplicáveis.
Há quem acredite que uma boa definição de loucura seria fazer sempre as mesmas coisas e esperar resultados diferentes.
Se é verdade que estamos já vivendo na era do conhecimento, como pode alguém ainda continuar pensando que acreditar nos homens seja mera ingenuidade? Até quando vamos continuar nos matando e nos enganando que apenas nos defendemos?
Desculpem se me excedi.
Ao boff: funciona aos cristãos que estão sendo degolados pelo ISIS.
Acho importante ressaltar que, embora incorramos em contradições, temos que ter em vista a dialética como fator de evolução. É perfeitamente saudável que se persiga uma “sociedade ideal” em que o amor predomine nas relações entre os seres, e entre eles e a Natureza (em última análise, um Todo universal) – e nesse sentido concordo inteiramente com o frei Boff. Para isso existem os personagens sonhadores que pipocam no decorrer da História. Mas até são Francisco (para ficar entre os mais citados neste blog) “relativizou” sua radicalidade, se é que seja possível falar assim. Até no seu propalado amor pelos irmãos-bichos: os que aparecem são sempre “fofinhos” – cães, peixes, passarinhos, cavalos, lobos… Não se fala em cobras, escorpiões, ratos, baratas, mosquitos e, evidentemente, em bactérias e vírus. Aliás, como lembra o escritor colombiano Fernando Vallejo, a julgar pelos Evangelhos, Jesus Cristo sequer uma vez levantou sua voz em favor dos animais… A Igreja Católica (mas também já é querer demais que fosse diferente…) custou a admitir que os negros e os indígenas tivessem… alma!
Voltando ao início do meu comentário: dialeticamente, a Humanidade caminhou muito, sob vários regimes. Os “pecados” do capitalismo não devem ofuscar a decorrente evolução tecnológica que propiciou enormes avanços no campo do bem estar social, mesmo com todas as distorções. Assim como o feudalismo (em todos os continentes) foi decisivo para o surgimento do que viria se tornar patrimônio da Humanidade, no campo das Artes, da Ciência, da Literatura. Por exemplo.
Intuo que a Terra, entre trancos e barrancos, avanços e retrocessos, caminhe para uma era de harmonia entre todos os seres. Chamar-se-á Socialismo? Pode ser que sim…
Prezado Leonardo Boff.
Delicio-me com seus textos e cada vez mais cresce a minha admiração pelo ser humano “Leonardo Boff”. Por favor, nunca deixe de escrever! Na verdade, em minha súplica, há também um pouco de egoísmo pois na verdade estou querendo continuar desfrutando do prazer de ler os seus artigos. Embora essa seja a segunda vez que posto um comentário no seu wordpress, leio todos os seus textos. Vida longa para o nosso Leonardo Boff!
Luiz Carlos, obrigado por suas palavras generosas. Continuo meu trabalho como qualquer outro trabalhador, tentando entender a vida, o Brasil e o drama da Mãe Terra. Passar bem. lboff
Que perola preciosa que partilhastes Leonardo Boff. Muito agradecido! Que saibamos equilibrar as luzes e as sombras dentro e fora de nós! Paz e Bem!
Prezado Leonardo Boff,
Tomei a liberdade de traduzir o seu texto para um idioma que nasceu com o intuito de ser uma outra forma de resolver os conflitos linguísticos: o Esperanto, o qual foi e é estudado e falado por muitos católicos ao redor do mundo, alguns dos quais foram franciscanos, como São Maximiliano Kolbe, mártir durante o nazismo.
O autor do idioma, o oftalmólogo polonês Luddwig Lejzer Zamenhof, percebeu, como São Francisco, que não daria para o “lobo” virar “cidadão”, mas que ambos precisavam de um fundamento que os fizesse conviver sem lutar para determinar quem é o melhor e maior. Nem alemães, nem russos, nem hebreus, nem outros povos ajudariam a resolver a má comunicação entre raças impondo-se, e sim usando um fundamento linguístico neutro, que é o Esperanto.
Abaixo está minha tradução, a qual divulgarei no meio católico esperantista, mencionando o seu blog como fonte!
Abraço,
Vitor Luiz
Serra-ES
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Alia maniero solvi la kverelojn
* Leonardo Boff
La homaro, speciale sub la patriarka reĝimo, travivis ĉiajn kverelojn. La plej kutima formo solvi ilin estis kaj estas la uzado de perforto, por venki la kontraŭulon kaj enkadrigi lin en ia sistemo. Tiu estas la plej malbona vojo, ĉar postlasas en la venkitoj ŝpurojn de amareco, humiligo kaj venĝemo. Tiaj sentoj inspiras spiralon de perforto, kiu hodiaŭe havas la specifikan formon de terorismo, esprimo de venĝemo de humiligitoj. Ĉu tiu estas la unusola formo per kiu la homoj devas solvi siajn disputojn?
Ekzistis homo kiu konsideris sin “frenezulo de Dio” (pazzus Dei), Francisko de Asizo (sed ankaŭ la nuna Francisko de Romo povus tiel nomiĝi), kiu iris tra alia vojo. La antaŭa vojo estis “venko kaj perdo”. La vojo de sankta Francisko estis “venko kaj venko”, malplenigante la bazojn kiuj subtenas la militeman spiriton. Ni prenu ekzemplojn el la praktiko de Francisko de Asizo. Lia kutima saludo estis deziri al ĉiuj “pacon kaj bonon”. Li petis al liaj sekvantoj Pedia aos seguidores: “Ĉiu kiu proksimiĝas, kaj amiko kaj malaniko, tiu estu ricevita de vi bonkorece” (Eksterbulea Regulo, 7).
Ni konsideru la strategion de Francisko antaŭ la perforto kaj rememoru du legendojn, kiuj tiuforme konservas la esencon pli bone ol la literoj de faktoj: la ŝtelistoj de Borgo San Sepolcro kaj la lupo de Gubbio (Fioretti, ĉap. 21).
Grupo de ŝtelistoj kaŝis sin en boskoj kaj kutime ŝtelis la ĉirkaŭaĵojn kaj la vojirantojn. Movitaj de la malsato, ili iris al la monaĥejo de la frajloj por peti manĝaĵon. La frajloj helpis ilin, kvankam iom kontraŭvole: “Ne justas, ke ni donu almozon al tiu ĉasto de ŝtelistoj kiuj kaŭzas tiom da malbonoj en tiu ĉi mondo”. Ili prezentis la aferon al Francisko, kiu sugestis al ili la jenan strategion: alporti al la bosko panon kaj vinon kaj krie voki: “Fratoj ŝtelistoj, venu ĉi tien; ni estas fratoj kaj alportis al vi panon kaj vinon”; ili ĝoje manĝos kaj trinkos; sekve, vi parolas al ili pri Dio, sed ne petu, ke ili ŝanĝu sian nunan vivon, ĉar tio estus troa peto; nur petu, ke ili ne faru malbonon al la homoj dum ŝtelado. En venonta okazo, konsilas Francisko, vi alportu pli bonan manĝaĵon: fromaĝon kaj ovojn. Pli ĝoje ol antaŭe, la ŝtelistoj festenas, sed aŭskultas la admonon de frajloj: “forlasu tian vivon de malsato kaj suferado, ne plu ŝtelu, konvertiĝu al la laboro kaj la Bona Dio providence donos la bezonataĵon al la korpo kaj animo”. La ŝtelistoj, kortuŝitaj de tiom da bona volo, forlasas tian vivon kaj kelkaj eĉ fariĝas frajloj.
Ĉi-maniere oni rezignas uzi la “rigidan fingron” de akuzado kaj kondamnado kaj preferas la varman akceptadon kaj la konfidon, ke ili kaŝe havas energion por esti io alia krom ŝtelistoj. Tiel estas superebla ĉia dualismo kiu apartigas la bonecon unuflanke kaj la malbonecon aliflanke. Fakte, en ĉiu el ili estas kaŝita la ŝtelisto kaj la frajlo. Per tenera konduto oni povas elaĉeti la frajlon kaŝitan ene de la ŝtelisto. Kaj tio okazis.
Klare aperas tiu ĉi strategio rezigni perforton en la legendo de la lupo de Gubbio kiu atakis la popolon de la urbeto. Oni nove superas la duopon: unuflanke, la “grandega, terura kaj feroca lupo” kaj aliflanke la popolo bona, plentimanta kaj armita. Du aktoroj batalas, kaj la ununura rilato inter ili estas la perforto kaj reciproka detruado. La strategio de Francisko ne estas starigi armisticon nek fortoekvilibron sub la regado de timo. Li ankaŭ ne partianiĝis en iu aŭ alia flanko, kio estus falsa fariseismo: “la malbona estas la alia, ne mi, kaj tial li devas esti detruita”. Ĉu neniu demandas al si, ke eble kaŝiĝas en iu, samtempe, la malbona lupo kaj la bona civitano?
La vojo de Francisko estas malkaŝigi tian unuecon de malsamoj kaj alproksimigi ambaŭ flankojn por ke ili starigu pacan pakton. Li iras al la lupo kaj diras al ĝi: “frato lupo, vi estas malbonega murdanto kaj meritas esti pendumita; sed mi ankaŭ agnoskas, ke vi faras tiom da malbonoj pro la malsato. Ni faru pakton: la popolo nutros vin kaj vi ne plu minacos ĝin”. Sekve li turnas sin al la popolo kaj predikas al ĉiuj: “turnu vin al Dio, ne plu peku; asekuru sufiĉan manĝaĵon al la lupo kaj tiel Dio liberigos vin de la eternaj punoj kaj la malbona lupo”. La legendo diras, ke la urbeto ŝanĝis sian kondutojn, decidis nutri la lupon kaj tiu ĉi promenis inter ĉiuj, kvazaŭ ĝi estis milda civitano.
Kelkaj interpretantoj komprenis tiun legendon kiel metaforon de la lukto de klasoj. Eblas. Sed la fakto estas, ke la atingita paco ne estis rezulto de la venko de unu el la flankoj, sed la superado de flankoj kaj partioj. Ĉiuj cedis, poste rimarkis la ambaŭflanka venko kaj elrompiĝis la paco kiu ne ekzistas en si mem, sed kiu estas la frukto de kolektiva konstruado inter la civitanoj kaj la lupo.
Konkludo: Francisko ne akrigis la kontraŭdirojn nek tuŝis la ombran dimension, kie la malamoj vivas. Li konfidis je la humaniga kapablo de boneco, dialogo kaj reciproka konfido. Li ne estis naivulo kaj sciis, ke ni vivas en la “regio dissimilitudinis”, mondo de malegalaĵoj (Fioretti ĉap. 37). Sed li ne konformiĝis al tiu dekadenca situacio. Li intuicie komprenis, ke, trans la amareco, en la fundo de ĉiu kreitaĵo viglas boneco ignorita kaj elaĉetinda. Kaj tiel li agis.
Alvenos la tago, kiam la homoj praktikos la elkoran kaj spiritan racion, kies biologian bazon la novaj neŭrologoj trovis, kaj kiu kompletigas la intelektan racion kiu dividas kaj atomigas. Tiam, ni inaŭguros la regnon de paco kaj konkordo. La lupo ankoraŭ estos lupo sed ne plu minacos iun ajn.
* Leonardo Boff verkis la libron “Francisko de Asizo: tenereco kaj vigleco”, eldonejo Vozes, 2000 (en la portugala).
Fonto: https://leonardoboff.wordpress.com/2015/09/18/uma-outra-forma-de-resolver-os-conflitos/ (Vizitita en la 18-a de septembro 2015)
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Vitor Luis, obrigado pelo esforço de traduzir meu texto para o esperanto. Certamente haverá gente que o lerá com prazer. Parabens: lboff
São francisco também esteve entre os muçulmanos durante as cruzadas e propôs um acordo de paz. Homem iluminado e muito sábio só os fortes o entenderão
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