Novamente venho publicar esta denúncia de WASHINGTON NOVAES, nosso grande jornalista em assuntos ecológicos, sobre a forma cobiçosa com que o Estado brasileiro se relaciona com as terras indígenas. Elas deixam de ser reservas quando se trata de mineração, hidrelétricas, estradas e outros projetos do interesse do Estado. Por outro lado, este mesmo Estado proclama se comprometer oficialmente diante do mundo com a preservação das dlorestas e da biodiversiade. Hoje é ciência sabida que para conservar as florestas devemos preservar e apoiar os Povos da Floresta. Eles sabem cuidar dela e manejá-la. Tornar impossível a vida dos Povos da Floresta é entregar esta floresta à cobiça deslavada dos desmatadores que visam apenas o lucro e não a preservação da incalculável riqueza em termos de bens e serviços que a floresta oferece para o equilíbrio de todo o planeta já ferido e em estado de caos destrutivo e nada regenerativo. Este artigo sob o titutlo “As terras indígenas são de niguém”? foi publicado no Estao de São Paulo no dia 18 de maio de 2012. Agradecemos a este jornalista-pesquisador pela gentileza de permitir sua publicaçã no nosso blog. LBoff.
*********************
Às vésperas da conferência Rio+20, o Brasil continua a dar sinais contraditórios quanto à sua disposição de pôr em prática princípios como o da economia verde e o da governança sustentável. Ao mesmo tempo, por exemplo, em que o governo federal manifesta seu empenho em valorar recursos naturais, conservar a biodiversidade (da qual temos pelo menos 15% do total mundial), despreza relatórios do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, do Banco Mundial e outros, segundo os quais a preservação de áreas indígenas se tem mostrado o caminho mais eficaz para a manutenção desses recursos naturais – mais eficiente até que áreas governamentais de preservação permanente, parques, etc.
Um dos exemplos desse descaso está em medida, assinada pela presidente da República, que veio exigir consulta ao Ministério de Minas e Energia (MME) antes de qualquer decisão da Fundação Nacional do Índio (Funai) sobre demarcação de áreas indígenas – não é difícil adivinhar o que dirá o MME sobre a possível existência de jazidas minerais nesses territórios e a inconveniência de fechar as áreas. E o Executivo ainda é reforçado pelo Congresso Nacional, que está votando a Proposta de Emenda Constitucional n.º 215, que também exige a aprovação do próprio Legislativo federal para a demarcação de áreas.
Ao mesmo tempo, é apresentada como um avanço, um benefício importante para comunidades indígenas, a decisão do Ministério da Saúde de lançar um cartão de identificação que “facilitará o acesso e o atendimento médico-hospitalar”, uma espécie de “SUS Indígena” – como se não fosse exatamente o contato com a cultura branca que leva para essas comunidades doenças que nelas não existiam antes e às quais são vulneráveis, exatamente pela falta de defesas imunológicas, dado o seu isolamento.
O autor destas linhas pôde comprovar esse fato há mais de 30 anos, em 1979, quando testemunhou, no Parque Indígena do Xingu, o trabalho de uma equipe da então Escola Paulista de Medicina – hoje Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) -, liderada pelo professor Roberto Baruzzi, que ali vinha acompanhando e registrando a cada visita, em fichas individuais, a situação de saúde de cada índio das etnias do Alto Xingu. E a comprovação era impressionante: não havia, no Alto Xingu, um só caso de pessoa portadora de doenças cardiovasculares – exatamente porque não estavam ali presentes os fatores de risco nessa área, adquiridos na relação com brancos: alimentação inadequada, uso de sal com base em cloreto de sódio, presença de gorduras, obesidade, fumo, álcool, sedentarismo, etc. Em seguida foi documentada para o programa Globo Repórter, para compará-la com a do Xingu, a situação dos índios caingangues, no interior de São Paulo, já aculturados e trabalhando como boias-frias (ou mendigos, alcoólatras): cerca de 80% deles já tinham em algum grau doenças cardiovasculares.
Cinco anos mais tarde, quando preparava a série de TV Xingu – A Terra Mágica, um testemunho ainda mais contundente: havia sido transferida para o Parque do Xingu toda a aldeia de índios então chamados de kreen-akarore (ou índios gigantes) que habitavam a região do Rio Peixoto de Azevedo e de lá eram removidos para abrir caminho à rodovia Cuiabá-Santarém. Desconhecedores das doenças de brancos e para elas sem defesas, os crenacarores foram dizimados na transferência: morreram todos os velhos, muitos adultos e crianças e ainda os pajés (estes só podiam cuidar de “doença de índio”, “de espírito”, não de branco). Lá estavam eles, em 1984, numa triste aldeia à beira do Médio Xingu, em situação lamentável, assoberbados por doenças, crianças cegas, etc. (hoje, os panarás, como são chamados, vivem numa reserva no Pará, que ganharam na Justiça; e se recuperam).
Nada disso é visto e considerado na visão dominante que se tem, no Brasil, de índios. E que, como dizia o antropólogo Pierre Clastres, só vê o índio pelo que ele não tem – não usa roupa, não dirige automóvel, não dispõe de outras tecnologias da nossa cultura -, e não pelo que tem de admirável enquanto vive na força de sua cultura: não delega poder a ninguém (chefe não dá ordem); cada indivíduo é autossuficiente, não depende de ninguém; e a informação é aberta, ninguém dela se apropria para transformá-la em poder político ou econômico.
Hoje estão todos às voltas com esbulhos ou ameaças. Como os pataxós hã-hã-hães, que acabam de recuperar no Supremo Tribunal Federal 54 mil hectares de suas terras demarcadas invadidas – e ainda ouvindo que são “vagabundos”. Ou sendo assassinados, como 250 guaranis-caiovás (Mato Grosso do Sul) e mais 300 habitantes do Vale do Jamari, no Amazonas (O Globo, 6/4), a ponto de o Conselho Indigenista Missionário denunciar à ONU – e o bispo Erwin Klauter dizer (Estado, 20/4) que “Lula e Dilma destruíram a Amazônia e seu povo”. Porque, a seu ver, “existe no Brasil uma cultura anti-indígena”.
“As terras indígenas são tratadas como terras de ninguém, primeira opção para mineração, hidrelétricas, reforma agrária e projetos de desenvolvimento em geral”, escreveu já em 1987 a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha no livro Os Direitos do Índio – Ensaios e Documentos, lembrando que “está na hora de se abandonar o jargão anacrônico que fala na ‘incorporação dos silvícolas’, para substituí-lo pela ‘defesa das sociedades indígenas e dos índios'”. E que “hoje, no direito internacional, não se pretende mais a ‘assimilação’ dos aborígines, e sim o respeito à diversidade cultural e aos direitos à terra das populações indígenas”.
Não bastasse, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar há poucos anos o direito do povo ianomâmi a suas terras, acolheu o brilhante parecer do jurista José Afonso da Silva, que mostrou a acolhida a esse direito consagrada desde as Ordenações Manuelinas até os dias de hoje, passando por várias constituições. Não é o caso, agora, de revogá-las por medidas presidenciais ou tentativas questionáveis no Legislativo.
* JORNALISTA E-MAIL: [email protected]
É devido a essas, dentre outras, que sou descrente, absolutamente, de partidarismos políticos… Não tem PT, PC do B, PSDB ou sei lá o que, de fato, que vá se interessar pela causa indígena e pelos povos da floresta. O negócio, partidariamente falando-se, parece-me que é luta objetivando o poder e cada um pra si, sendo que o resto é resto… De tal forma, os índios que se organizem, junto aos que compreendem e apoiam a sua causa, para defender seus legítimos interesses. O avanço trucidatório (leia-se civilizatório) está longe de um fim. São mais de 500 anos de aculturamento e massacre… E muuuuuita demagogia! Arff!
Reblogged this on Paulosisinno's Bloge comentado:
“O assalto oficial sobre Terras Indígenas” – texto do grande Washington Novaes, reproduzido na página do Leonardo Boff