Para os cristãos a Sexta-feira Santa celebra a Paixão do Filho do Homem. Ele não morreu. Foi morto em consequência de uma prática libertadora dos oprimidos e de uma mensagem que revelava Deus como “Paizinho”(Abba) de infinita bondade e de ilimitada misericórdia que incluía a todos até “os ingratos e maus”. Antes de ser executado na cruz, foi submetido a todo tipo de tortura. Segundo alguns intérpretes sofreu até abuso sexual.
Como referem os relatos do Novo Testamento, usando palavras do profeta Isaias, “foi considerado a escória da humanidade, o homem das dores, pessoa da qual se desvia o rosto, desprezível e sem valor, tido como castigado, humilhado e ferido por Deus; mas ele, justo e servo sofredor, se ofereceu livremente para ficar junto aos malfeitores, tomando sobre si crimes e intercedendo por todos nós”.
Desceu até o inferno da solidão humana, gritando nos extertores da cruz: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste”? Porque desceu até ao mais profundo, Deus o elevou até ao mais alto. É o significado da ressurreição, não como reanimação de um cadáver, mas como uma revolução na evolução, realizando nele, antecipadamente, todas as potencialidades escondidas no ser humano. Ele irrompeu como criatura nova, mostrando o fim bom de todo o processo evolucionário.
Mesmo assim, como dizia Pascal, Cristo continua em sua paixão,agonizando até o fim do mundo, enquanto seus irmãos e suas irmãs, a Terra que o viu nascer, viver e morrer, não forem finalmente resgatados. Já dizia a mística inglesa Juliana de Norwich (1342-1413): “ele sofre com todas as criaturas que sofrem no universo”. Outro contemplativo inglês, William Bowling, do século XVII, concretizava ainda mais afirmando:”Cristo verteu seu sangue tanto para as vacas e os cavalos quanto para nós homens”.
Hoje a paixão de Cristo se atualiza na paixão do mundo, nos milhões e milhões de sofredores, vítimas de um tipo de economia que dá mais valor ao vil metal que à dignidade da vida, especialmente da vida humana. O Cristo se encontra crucificado na Terra devastada; suas chagas são as clareiras de florestas abatidas; seu sangue são os rios contaminados.
A rede de organizações que acompanham o estado da Terra, a Global Footprint Network, revelou no dia 23 de setembro de 2008, exatamente uma semana após o estouro da crise econômico-financeira que, neste exato dia, se tinham ultrapassado em 30% os limites da Terra. Chamaram-no de The Earth Overshoot Day: o dia da ultrapassagem da Terra. Esta notícia não ganhou nenhum destaque nos meios de comunicação, ao contrário da crise financeira que até hoje ganha a primeira página.
Com esta ruptura, a Terra já não tem condições de repor os bens e serviços necessários para a manutenção do sistema-vida. Em outras palavras, a Terra perdeu a sustentabilidade necessária para a nossa subsistência. Por causa disso, milhões e milhões de seres humanos são condenados a morrer antes do tempo e entre 27-100 mil espécies de seres vivos, segundo dados do conhecido biólogo Edward Wilson, estão desaparecendo a cada ano. Este fato inaugura aquilo que alguns cientistas já denunciaram como sendo uma nova era geológica. Foi chamada de antropoceno, na qual o grande meteoro rasante e destruidor da natureza é o ser humano.
Com sua voracidade e obsessão de crescer mais e mais para consumir mais e mais está se transformando numa força avassaladora dos ecossistemas e da Terra como um todo. Comparece como o Satã da Terra quando deveria ser seu anjo da guarda.
A Avaliação Ecossistêmica do Milênio, organizada pela ONU entre os anos 2001-2005, envolvendo cerca de 1.300 cientistas do mundo inteiro, além de outras 850 personalidades das várias ciências e da política, concluíram que dos 24 serviços ambientais essenciais para a vida (água, ar puro, climas, alimentos, sementes, fibras, energia e outros) 15 deles se encontravam em processo acelerado de degradação. Quer dizer, estamos destruindo as bases físico-químico-ecológicas que sustentam a vida sobre o planeta.
Agora não dispomos mais uma Arca de Noé que salve alguns e deixe perecer os demais. Desta vez, ou nos salvamos todos ou todos corremos o risco de perecer.
Neste contexto vale recordar as sábias palavras do Secretário Geral da ONU Ban Ki Moon, proferidas no dia 22 de fevereiro de 2009 referindo-se à crise econômico-financeira em relação à crise ecológica:”Não podemos deixar que o urgente comprometa o essencial” É urgente encontrar um encaminhamento à crise dos mercados e das finanças, mas é essencial garantir a vitalidade e a integridade da Terra. Sem esta salvaguarda, qualquer outra iniciativa ou projeto perdem sua base de sustentação.
Temos que transformar a paixão da Terra num processo de sua ressurreição na medida em que suspendermos a guerra total que movemos contra ela em todas as frentes. Isso somente se alcançará refazendo o contrato natural que se funda da reciprocidade: a Terra nos dá tudo o que precisamos para viver e nós lhe retribuímos com cuidado, respeito e veneração, pois é nossa grande e generosa Mãe.
Esta é o desafio e a mensagem que cabe assumer na Sexta-feira Santa do presente ano de 2012.
Leonardo Boff é ecoteólogo e da Comissão Central da Carta da Terra.
Leonardo Boff sempre faz uma leitura de temas religiosos, os quais supostamente deveriam ficar restritos dentro das “4 (quatro) paredes” de alguma igreja, ou no máximo disseminados entre os fiéis, contextualizando, tornando contemporâneos os tais temas, trazendo-os para uma realidade muito mais ampla do que meramente a realidade restrita a perspectivas religiosas denominacionais! Isto é o que me encanta em Leonardo Boff: a promoção de ampliação da consciência de quem está disposto a perceber tão longe e tão alto quanto possível e entra em contato com seus escritos!
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E conseguimos pensar em alguma solução? Haverá solução enquanto nos entregarmos aos pensamentos?
Não me parece – embora sim, eu concorde com os dizeres ecológicos – que somos sensibilizados pela apresentação de estatísticas. Elas parecem frias, parecem distantes, irreais. E.. Absolutamente não sedutoras. Não em termos absolutos, porém. Não quando devidamente apresentadas em seu contexto atordoante e perigoso. Mas, quando contrapostas com tudo aquilo que nos envolve, penetra e guia (manipulando) no dia-a-dia: a sociedade do consumo, a sociedade dos desejos, a sociedade do imediato: individualista, hedonista, distraída, nem um pouco zelosa e carinhosa.
Não sei qual o apelo a ser utilizado: o simples apelo ecológico, de permanência e preservação da natureza mãe-pai, não sensibiliza. Para muitos, virou uma moda, um culto odioso: de parecer engajado, de parecer legal, de parecer consciente. Mas, limitado: porquanto se ultrapassar os limites do “bom senso normótico consumista e fútil”, torna-se piegas e inconveniente.
Em termos, isso me lembra o antigo e contínuo – portanto, ainda atual – apelo religioso para o esfacelamento da sociedade, das relações familiares e humanas etc. Até certo ponto, era legal ouvir isso. Parecia sincero, parecia interessante. Mais do que lógico e coerente, parecia verdadeiro. Mas, também não podia ultrapassar os já mencionados “limites”. Poucos abraçam o inconveniente.
Aliás, nada de liberação na sociedade atual (atual?): posto que tudo aquilo que não encontra acolhida no modelo vigente, pode ser legal, desde que não ameace, desde que não toque destrutivamente no próprio modelo.
Seu texto é encantador, Sr. Boff: reflexo de sua postura. Ecológico, religioso (não no sentido da norma, da instituição religiosa). Ou seja, legal se mantido nos limites do modelo vigente, e herético, piegas, “exagerado”, se pretender ir além de tudo isso.
Mas, e as soluções? Não consigo nelas pensar. Não consigo concebê-las dentro deste próprio modelo. Vislumbro uma desconstrução total: do ser humano em si. E… Perdido nestes dizeres, confesso sinceramente, e com carinho: perdi o rumo das palavras e de meu comentário. Mas, agradeço pela guarida. 🙂
Desculpe, mas, para os cristãos a ressurreição não é um ato simbólico e sim, a reanimação de um cadáver. E isto é um dogma de fé do cristianismo: a morte sendo vencida por um homem que é também um Deus. A ressurreição representa a vitória de Cristo sobre a morte e é a base do cristianismo.
Graças a Deus a Terra ainda não é um cadáver, longe disso, mas ela já começa a dar sinais de que está seriamente doente e que precisa ser tratada pelos homens. Evidentemente, que se ela vier a morrer, ninguém poderá ressuscitá-la, pois as coisas vivas não ressuscitam, elas fenecem, morrem, se decompõem e são recicladas pelas bactérias. Então, não há como um cadáver voltar à vida, seja um animal ou planta e Deus não derroga suas leis criadas há trilhões, quintilhões de anos ou mais.
Agora, um ser evoluído sobrevive sim à morte física em espírito e isto aconteceu com Jesus e acontecerá conosco, e a Terra, assim que se livrar dos homens, também sobreviverá bem sem nós, pois ela não precisa da gente.
A Terra só precisa da gente para que a gente se mantenha nela.
Caro Alexandre
A teologia e a Igreja nunca entenderam a ressurreição como a reanimação de um cadáver como o de Lázaro. Se assim fosse, a morte não teria sido vencida, pois Lázaro voltou a morrer. O Novo Testamento entende a ressurreição como a emergência do “novissimus Adam” como diz Paulo na Carta aos Corintios, quer dizer, como a transfiguração da vida de um crucificado. Isso não é um ato simbólico, mas uma realidade escatológica, isto é, que tem a ver com o quadro final da vida humana. Para isso veja o artigo que está sendo publicado no blog deste sábado santo.
lboff
Caro Leonardo,
Entendo, então, que este deva ser o “corpo glorioso” que todos teremos no juízo final e que Jesus, por ser divino, o teve antes, logo ao morrer.
Eu respeito esta crença, mas, para mim, este corpo foi bem esclarecido em suas aparições tangíveis aos apóstolos, inclusive a Tomé e que, hoje, já é bem compreendido a partir dos estudos de Sir Williams Crookes.
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Acho legal esta leitura proativa do Evangelho. Infelizmente, a maioria das pessoas ficam lamuriando as estações da Paixão durante a semana santa, e posteriormente voltam para seu cotidiano sem trazer o real significado de tudo para a sua vida em particular e a vida comunitária, numa visão macro. Costumo dizer para as pessoas que me cercam, que o verdadeiro Cristo está mais presente nas entrelinhas do Evangelho do que na falácia de alguns, inclusive clérigos, que se acostumaram ou foram condicionados a fazer uma leitura superficialíssima da Bíblia. Para estes, importa mais o sofrimento do homem Jesus, que a transcendência e triunfo do Cristo Deus, e a mensagem atemporal fica perdida no choro e pena suscitados.
Excelente exposicao sobre Cristo Jesus! No q se refere ao planeta Terra e sua resurreicao; O q entende o senhor com o verso “E vi um novo ceu e nova terra, pois o primeiro ceu e a primeira terra passaram , e o mar ja nao existe. apocalipse 21:1? E qual a inferencia em nomear ao planeta terra como planeta ” Mae”. muito obrigada
oi,
Em Lucas 7, 11-17, temos a narração de um dos vários prodígios de Jesus: a revivificação do filho da viúva. Marcante em simbologia, a passagem é rica e profunda em sua mensagem de amor, pela qual devemos refletir e entender o que queria nos dizer com tudo aquilo. Parece simples, apenas mais um gesto de misericórdia, apenas mais um “sinal” de sua Majestade. Mas, por trás disso há uma grande verdade a ser compreendida…
Por que falamos de revivificação do filho da viúva e não da “ressurreição”? Porque são fatos diferentes. A ressurreição se dá, obrigatoriamente, pela mudança de uma dimensão para outra. O filho da viúva de Naim e Lázaro não ressuscitaram, eles revivificaram ainda para este mundo. Jesus, sim, ressuscitou, pois mudou de dimensão: saiu deste mundo e voltou para a casa do Pai. O que poderá acontecer com todos nós, se, assim, formos convidados e aceitarmos. A ressurreição é dom: dádiva.
Caro Leonardo – tenno ad Ira aoelo sue trabalho, e ape as agora, de Volta ao Brasil, por acaso encontrei sue blog… Celebrant esta semana Santa, eu e meu marido tivemos a oportunidade de vi enviar pela primeira vez, a paixao de cristo, Cason se I tersse pe as imagines. Abrades, Raquel http://3rdculturechildren.com/2012/03/27/paixao-de-cristo-em-nova-jerusalem-pernambuco/
As pessoas estão tão hipnotizadas pelas religiões, pela salvação em adorá-las, que não podem entender a simplicidade da vida, o respeito pelos animais, o cuidado com o planeta. Nada pode ser feito pela mente condicionada que espera em Jesus, em Deus a salvação, quando em verdade vos digo: ” fora da consciência não há salvação, e a salvação é apenas estar consciente e atento a cada instante….. o consolo é a percepção de nascer a cada dia, numa infinita ressurreição”.
Valéria,
Perdão, mas uma coisa tem nada a ver com a outra. Se você olhar a história da humanidade são séculos e séculos de total desrespeito para com o PLANETA e isso não muda da noite para o dia. São séculos de destruição CONSCIENTE de uma raça que se julga dona do mundo e não consegue entender que o planeta é VIDA e tem VIDA.
Infelizmente, corremos contra o relógio, levaremos, ainda, alguns anos para mudar a consciência das pessoas. Mas não se preocupe, caso o planeta se sinta ameaçado pelo bicho homem, ele simplesmente destruirá a raça humana. Legitima defesa é isso ??
Professor, peço a sua permissão para colocar um link da sua página no meu blog http://www.amosboiadeiro.blogspot.com
Sergio,
pode colocar um link em sua página. Sou a favor da completa socialização de todos os bens simbólicos.
Bom proveito
lboff
Bom, tudo posse ser analisado do ponto de vista cientifico, mesmo que as idéias e métodos dessa ferramenta ainda não estejam acessíveis, em plenitude, à nosso estado evolucionário atual. Há coisas que ainda não estão ao alcance de nossa compreenção, não significando que elas devam ser deslocadas para o universo da religiosidade. Do meu ponto de vista, afirmo que Cristo fisicamente (falo do seu corpo e desenvolvimento fisiológico), não diferia em nada dos outros homens, mas quando se trata de analisar de um ponto de vista mais elevado, digo, o ser espiritual que animou o corpo, aí a coisa muda de ares. O Cristo era e é um ser elevadíssimo espiritualmente. Possui vastíssimo conhecimento das leis que regem o universo, tando que pode entrar em contato direto com a divindade, ou seja, sem intermedialidade.
Poderia ter ocorrido que no instante em que seu corpo repousava naquele sepulcro, houve um processo de aceleração do da desintegração material perfeitamente concebível ao ponto de vista de inteligências superiores.
A simbologia da ressurreição não deve repousar na revitalização do corpo, mas sim na elevação espiritual do ser.
Não existem milagres, pois se existissem seriam derrogações às léis naturais divinas. Se as leis do universo pudessem ser derrogadas, não haveria estabilidade na existência de tudo.
E a reforma florestal? Esse código só beneficiou os “donos” de terra, e depois o povo fica reclamando da falta de chuva, e ninguém fala um dos principais motivos.