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Texto: O autor, Luiz Cesare Vieira é um catarinense que vive em Florinápolis e possui um blog muito interessante Recanto das Letras que convido a visitá-lo pois vale a pena e se aprende muito.https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/6943950 Agradeço a inclusão que fez de meu nome, sabendo que há muitíssimo mais pessoas no mundo que merecem este título de sábios, mais do que eu. Mas aqui vai minha admiração pelo belíssimo texto, que sem perder-se em louvações, vai direto ao pensamento: Lboff
O BANQUETE DOS SETE SÁBIOS
Há muitos anos, por volta do ano 100 d.C. o historiador Plutarco relatou um banquete seguido de symposium na casa do tirano Periandro, reunindo nada menos que os sete sábios consagrados da Grécia: Tales, Pítaco, Bias, Sólon, Cleobulo, Míson e Quílon. Sem dúvidas, o maior evento do século VI a.C.

Desde Platão os sete sábios eram o tema da época e permaneceu por séculos. Reuni-los para uma conversa sapiencial era um sonho dourado. Para mediar o colóquio Periandro convidou outro sábio, o velho adivinho Diócles, frequentador assíduo de sua casa. Das palavras trocadas no lustroso encontro e transmitidas por Diócles, Plutarco legou à humanidade o livro Banquete dos Sete Sábios.

Quase dois mil anos depois o destino me outorgou a tarefa de perdurar a tradição de Plutarco. Teria que reunir sete sábios para iluminar a humanidade extraviada em soturnos becos virais. Tarefa difícil identificar sete sábios.

Emprestei de Diógenes a lanterna e conclui a lista. Alain Touraine (94 anos); Noan Chomsky (92 anos); Antonio Negri (87 anos); Pepe Mujica (84 anos); David Harvey (84 anos); Leonardo Boff (81 anos); Boaventura Santos (80 anos). Divergências quanto aos nomes são normais, na lista da Grécia mais de 20 revezaram o núcleo dos 7. Idade importa? Sim, mas sabedoria é construção do espírito, não o mero acúmulo dos anos. Todos acederam ao convite.

Mais por tradição do que precisão escolhi um velho adivinho para presidir o colóquio. Tirésias é seu nome. O local, um antigo castelo de Sintra, Portugal, transformado em pousada. Maio é só flores em Portugal.

Na manhã marcada para o encontro, Boaventura e Boff chegaram antes da hora e no bom português puxaram conversa sobre velhice.

– Entramos na etapa derradeira da vida, Boaventura, perdemos o vigor e nos despedimos lentamente de todas as coisas.

– Pois é, como dizia Camões: “Mais vivera se não fora, para tão grande ideal, tão curta a vida”. E pulando para São Paulo: “Na medida em que definha o homem exterior, rejuvenesce o homem interior”.

– Pleno acordo. O eu profundo. Precisamos de muitos anos de velhice para encontrar a palavra essencial que nos defina. Quem sou eu, qual é o meu lugar no desígnio do mistério?

– Verdade, Boff, a velhice é a última chance que a vida nos oferece para acabar de crescer. Eu acho que vivemos para rasgar novos horizontes e criar sentido de vida. Só é velho quem acha que o mundo decidiu tudo por nós. A velhice não pode ser mera repetição.

– Sim, devemos estar sempre em gênese. Nunca estamos prontos…

– Falemos também do envelhecimento social da humanidade. A partir da década de 80 com o “there is no alternative”, as portas do futuro foram cerradas…

Entram na sala Chomsky, Mojica, Touraine, Harvey e Negri.
Cumprimentos, saudações, sinceros elogios mútuos. A cordialidade e a fraternidade, como o ar, encheram o ambiente. Sentaram na ampla mesa decorada com candelabros e tomaram o vinho branco de aperitivo. Era perto do meio dia.

Tirésias, o vate cego ao abrir o symposium propôs a idade como critério da sequência das falas. Ninguém concordou e Mojica, florista e político, voz lenta e tranquila, falou.

– A morte vestida em forma de vírus escolhe os mais velhos para levar primeiro à sua terra de indolências e sonhos ressequidos. Desmazelos na gestão sanitária e olhos vendados à ciência gera a “devastação dos velhos”, nas emocionantes palavras do brasileiro Lima Duarte. Proponho uma homenagem aos que se foram e repúdio aos governantes que “lavam as mãos, mas o fazem numa bacia de sangue”.

Aplausos! Chomsky reforçou Mujica e com a voz gasta de centenário embate continuou.

– Se deixarmos nosso destino na mão de bufões como Trump e Bolsonaro será o fim. O Coronavírus é muito sério, mas há algo mais terrível nos levando direto para o abismo: guerra nuclear e aquecimento global. A crise civilizacional está instalada. Uma palavra sobre o isolamento. Acho que as redes sociais atomizaram e isolaram as pessoas de modo extraordinário. Nas universidades existem placas alertando “olhe para frente”, porque os jovens estão grudados em si mesmos. A crise colocou as pessoas em situação real de isolamento social. Enfim, temos que ver o lado bom do Coronavírus, se a crise pode fazer as pessoas pensarem sobre o mundo que queremos…

Touraine, pensador incansável, sem muitas ilusões sobre o futuro, interrompeu.

– Vivemos sim num mundo sem líderes e há um colapso do movimento operário. O que vemos é um mundo sem ideias, sem direção, sem estratégia, sem linguagem: é o silêncio. Se o vírus vai mudar alguma coisa? Acho que não. Haverá outras catástrofes, temo a ecológica.

– “Produção social do comum”, eu diria que estas deveriam ser as palavras de ordem – observou Negri com a convicção de um revolucionário – uma reforma anticapitalista, para que as fábricas produzam de forma diferente, coisas diferentes. Cito a luta democrática dos coletes amarelos pelo comum. Não falo em decrescimento, mas outro crescimento. Não voltaremos a viver na floresta, mas com a floresta.

A última frase foi o mote para Boff entrar na conversa, palavras escritas no coração.

– O problema é este, nós esquecemos que somos pedaços da Terra, que somos Terra pensante, e quando a atacamos, a depredamos por cobiça e para enriquecer, atacamos a nós mesmos. Seremos capazes de captar o sinal que o Coronavírus está passando ou continuaremos a fazer mais do mesmo, ferindo a terra? Acho que é uma oportunidade de criarmos uma sociedade do cuidado, da gentileza e da alegria de viver, em harmonia com a mãe Terra.

Ouviu-se badalos de um sino. Era ele, Tirésias, anunciando a hora do banquete. Os garçons serviram o tradicional bacalhau à portuguesa. Chomsky propôs um brinde “ao encontro; à Plutarco e às superações da humanidade!”.

Finda a comensalidade se recolheram à sala contígua para continuar o symposium. Boaventura, eterno militante do pensamento por um outro mundo, interveio.

– Acedo às preocupações gerais sobre o clima. Enquanto a crise da pandemia pode ser revertida, a crise ecológica é irreversível, no máximo mitigada. Gostaria de colocar outro ponto: a dificuldade, acrescida com a pandemia, dos políticos e intelectuais em mediar com a realidade. Ao contrário, medeiam entre si em pequenas divergências políticas e ideológicas. Intelectuais escrevem sobre o mundo, mas não com o mundo. A realidade tornou-se inacessível, e extraordinariamente inacessível na pandemia. Estou certo que nos próximos tempo a cruel pedagogia do vírus nos dará mais lições.

Chegou a hora de Harvey, o tempo todo muito atento, se manifestar.

– A forma espiral de acumulação infinita de capital está em colapso. Como o capitalismo, já antes em crise, poderá absorver os impactos da pandemia? Depende do tempo. Exércitos de trabalhadores precários estão sendo demitidos. Foram investidos bilhões em infraestrutura do turismo e este local de acumulação de capital está morto, incontáveis os desempregados. Ironia final: a única coisa que pode salvar o capitalismo é um consumismo em massa financiado pelo governo. Isso exigirá socializar toda a economia dos Estados Unidos, por exemplo, sem chamar isso de socialismo.

Mujica tomou um gole de vinho, pediu licença “dores nas costas” e falou de pé.

– Navegamos sem bússola e nos perdemos na globalização, impulsionados pelos ventos do mercado e da tecnologia, sem consciência política dos meios e fins. Diria, meus amigos, se eu pudesse acreditar em Deus, que a pandemia é um aviso para os sapiens. Temo notícias ruins nos curto e médio prazos. O autoritarismo terá sua primavera, assim como a especulação financeira; dramáticas tensões políticas entre Oriente e Ocidente; nacionalismos xenófobos e baixos salários surgirão. Os escalões mais baixos da classe média ameaçada questionarão os governos e serão o clamor das ruas. Eu me pergunto, como humanos atingimos o limite biológico de nossa capacidade política? Seremos capazes de nos redirecionarmos como espécie e não como classe ou país?

O symposium seguiu até às 17h. Tirésias anotou tudo. Os sete sábios se despediram com a certeza e a emoção de que não se veriam mais. O tempo ficou curto para eles, mas iriam até o fim, havia novos horizontes a serem rasgados com urgência..

luiz cezare vieira
Enviado por luiz cezare vieira em 11/05/2020
Reeditado em 13/05/2020
Código do texto: T6943950
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