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Maria Helena Machado é socióloga e pesquisadora titular da ENSP-FIOCRUZ: [email protected]r

A pesquisadora da ENSP-FIOCRUZ faz neste artigo a apologia do SUS (Sistema Único de Saúde) até ha pouco tempo  vinha sendo combatido e ameaçado de privatização e agora se mostrando como o grande instrumento de assistência à saúde da maioria da população brasileira. Ele foi criado em 23 de setembro de 1988 no contexto da nova Constituição que garantia a saúde como um direito de todos e um dever do Estado. O artigo 196 é claro ao afirmar que o acesso ao SUS é universal, igualitário e gratuito. A autora mostra a realidade concreta seja da infra-estrutura hospitalar, do corpo médico, de enfermagem e dos centros de pesquisa.Os números são impressionantes, apesar de poderem ser ainda maiores para atender adequadamente toda a população.

Junco com esta parte objetiva e técnica é decisiva também a dimensão humanística dos que trabalham no SUS. A ética natural é o cuidado que se desdobra nas qualidades profundamente humanitárias da compaixão,da atenção afetiva, da assistência judiciosa quando o paciente perde sua autonomia, a preocupação por devolver-lhe a confiança na vida, ajudá-lo  a acolher sem amargura a condição humana sempre vulnerável e por fim acompanhá-lo no momento da grande travessia. Se for religioso poder sussurar-lhe ao ouvido as consoladores palavras das Escrituras judaico-cristãs:”se teu coração te censura, saiba que Deus é maior que teu coração e vá ao encontro dele”.

Nesses tempos de Corona-vírus é importante que tenhamos os cohecimentos fundamentais do que seja o SUS e o serviço que presta a milhões, enfatizando a competência, a generosidade e a total entrega de seus médicos/as e enfermeiros/as e demais servidores dos hospitais,das UPAS e de outros centros de saúde somando cerca de 3,5 milhões de operadores da saúde. Somos gratos a todos eles, particularmente nestes momentos em que eles, para servir os outros, correm riscos e os enfrentam com responsabilidade e de forma incansável.  Agradecemos à Dra.Maria Helena Machado por esta sua contribuição: Lboff

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O Brasil tem dois patrimônios no âmbito 😮 SUS  e os mais de 3 milhões e meio de Profissionais de Saúde que nele atuam.

Fruto de um processo histórico de três décadas o SUS assegura pela Constituição Federal saúde à toda a população brasileira. Á época de sua criação na década de 1980, o país contava com pouco mais de 18 mil estabelecimentos de saúde, 570 mil empregos de saúde e uma equipe bipolarizada entre médicos e atendentes de enfermagem (nível elementar de escolaridade). Trinta anos depois, o SUS é hoje o maior patrimônio público com mais de 200 mil estabelecimentos de saúde – hospitalares e ambulatoriais, 3 milhões e 500 mil trabalhadores empregados, sendo boa parte de nível superior. A equipe de saúde passa a ser multiprofissional constituída de médicos, enfermeiros, farmacêuticos, odontólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos, além de técnicos e auxiliares de saúde (enfermagem e demais áreas) (CNES, 2017).

É fato incontestável que o SUS, operado na rede pública (federal, estadual e municipal) e na rede privada/filantrópica conveniada, é sustentado e movido por um enorme contingente de trabalhadores. É fato também que estes trabalhadores são considerados essenciais ao sistema de saúde e imprescindíveis ao processo civilizatório de nosso país.

Ser profissional da saúde significa antes de tudo ser um profissional com vocação e missão especiais. A crise sanitária que impõe o Coronavirus nos ínsita a reafirmar essa premissa: Profissional de Saúde é um Bem Público: um Patrimônio de 3.500.000 de pessoas qualificadas e a serviço desse bem universal chamado Saúde.

É fato também que a sociedade moderna é alicerçada em uma sociedade de profissões, visto que a maioria das atividades humanas evoca profissionalismo para sua execução. O que seja saúde, doença, sanidade ou insanidade ou até mesmo o que é ordem ou desordem, são definidos no construto teórico das corporações profissionais. A saúde é um caso exemplar desse profissionalismo levado a sério.

Utilizando o construto teórico da sociologia das profissões pode-se afirmar que um profissional é um indivíduo que tem controle e domínio sobre um campo do saber que, em nome da primazia da racionalidade cognitiva e orientado para a aplicação desse conhecimento na solução de problemas da realidade dada. O saber tem valor privilegiado e define condutas técnicas e áreas de aplicabilidade da base cognitiva. Esse conhecimento especializado permite a ele exercer a autoridade sobre o paciente, sobre a população. Suas recomendações são levadas a sério não só pelo paciente, como pela população e especialmente pelas autoridades governamentais que prezam pela integridade e o bem estar dos indivíduos.

Em resumo, o saber profissional deve operar como uma espécie de caixa-preta que contém um conjunto de teorias e técnicas indecifráveis para leigos, mas ao mesmo tempo com suficiente visibilidade social para ser diferenciado dos vários saberes socialmente produzidos. O domínio e o monopólio deste saber constituem o fundamento da autonomia das profissões e do seu prestígio social. O conhecimento adquirido pelas profissões da saúde sobre a enfermidade e seu tratamento é no que se constitui a autoridade profissional, uma autoridade cultural que se manifesta pela construção de realidades.

Sendo então, por sua essencialidade e por serem doutos de sua habilidade cognitiva, detentores de saberes especializados e altamente treinados em escolas credenciadas, eles são inseridos no mercado de trabalho em postos de trabalho seja no setor público como no privado. Um mercado de trabalho complexo e altamente profissionalizado. Dados oficiais do IBGE, CNES, etc., atestam essa essencialidade quando registra, por exemplo, a presença de médicos e enfermeiros, mesmo com sinais de má distribuição regional ou até mesmo escassez nos 5.570 municípios, nas 27 unidades da Federação e nas 5 regiões geográficas do país, prestando assistência à população.

O enfrentamento da crise sanitária com o novo Coronavirus, em nosso país, tem sido possível por conta exatamente do SUS e de seus trabalhadores. Estamos falando de profissionais atuando na assistência direta à população nos hospitais e ambulatórios, na ciência e tecnologia produzindo e disponibilizando saberes, conhecimentos, tecnologia e insumos, na gestão pública, enfim, prestando serviços de alto valor social.

Contudo, sabemos das mazelas que o SUS vem enfrentando com crescimento da terceirização e da informalidade da inserção desses profissionais essenciais. As premissas preconizadas pela Organização Internacional do Trabalho no combate ao trabalho precário sendo aquele com contrato de trabalho desprotegido de amparo legal nunca foi tão atual e contemporâneo nesse mundo globalizado. A OIT elenca algumas dimensões inter-relacionadas de precariedade, contrapondo ao trabalho decente:

1) insegurança do mercado de trabalho pela ausência de oportunidades de trabalho;

2) insegurança do trabalho gerada pela proteção inadequada em caso de demissão;

3) insegurança de emprego gerada pela ausência de delimitações da atividade ou até mesma de qualificação de trabalho;

4) insegurança de integridade física e de saúde em razão das más condições das instalações e do ambiente de trabalho;

5) insegurança de renda, fruto da baixa remuneração e ausência de expectativa de melhorias salariais;

6) insegurança de representação quando o trabalhador não se sente protegido e representado por um sindicato.

Infelizmente, a realidade brasileira nos aproxima mais do trabalho precário, nos distanciando, inexoravelmente, do trabalho decente, preconizado pela OIT. Pesquisas recentes com categorias essenciais da saúde (médicos e enfermeiros, por exemplo) nos mostra que esses profissionais têm aumentado sua carga de trabalho diária, trabalhando interruptamente, com salários baixos e se comparados a realidades internacionais isso levaria a constrangimentos do “incomparável”. A adoção do multiemprego e o prolongamento da jornada de trabalho semanal, abdicando do descanso entre um trabalho e outro passa a ser realidade dada em todo o país, seja no setor público como no privado. O desgaste profissional, o estresse, o adoecimento, os acidentes de trabalho acabam assumindo dimensões insustentáveis.

Se estamos falando de um Bem Público é preciso voltar nossas atenções e refletir juntos a essencialidade do trabalho deles, representados aqui pelos Médicos e pela Enfermagem e todos os demais profissionais da saúde que compõem esse contingente de mais de 3 milhões e meio de trabalhadores, expressando nossa gratidão, nosso reconhecimento, nossa confiança e esperança que vencermos essa batalha sanitária.

Salve nosso SUS!
Salve nossos Trabalhadores da Saúde! Salve nossos Patrimônios nacionais!!